São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 2011

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O fator Síria

O aguardado discurso de ontem do ditador sírio, Bashar Assad, repetiu o roteiro seguido por outros dirigentes árabes na atual onda de revoltas. Culpou uma "conspiração estrangeira" e a mídia internacional pelos protestos que sacodem o país há duas semanas e prometeu aferrar-se ao poder.
A similaridade com o que se passou no Egito e na Tunísia não é suficiente, porém, para inferir o desfecho da crise na Síria.
A fala de Assad ofereceu muito menos em termos de abertura do regime do que se esperava. Permanecem à sua disposição todos os mecanismos do aparelho repressor, como a lei de exceção.
Assim como fizeram outros ditadores da região, Assad começou por minimizar as manifestações. Depois, quando não era mais possível ignorá-las, promoveu violenta repressão.
Suas forças de segurança abriram fogo mais de uma vez contra os manifestantes, nos últimos dias. A contabilidade dos mortos varia de pelo menos 60 a mais de uma centena. Agora, o governo sírio acena com a promessa vaga de reformas, mas numa tentativa de manter o controle.
Já se vão mais de dois meses desde a queda do primeiro ditador árabe, na Tunísia. Sedimentou-se, nesse tempo, uma espécie de padrão sobre como lidar com as revoltas. Concessões preventivas se alternam com a repressão policial nos momentos mais críticos.
No evolução do cenário interno sírio, a lei de exceção que se esperava ver revogada entrou vigor em 1963, e a família Assad (antes com Hafez, após 2000 com o filho Bashar) mantém o poder desde 1971.
O herdeiro preparado pelo pai, Basil, morreu em um acidente de carro em 1994. O pouco carismático Bashar parece manter controle sobre a elite dirigente e desfrutar de considerável popularidade. O Exército, mais profissional no Egito e na Tunísia, na Síria é intrinsecamente ligado ao regime.
Do ponto de vista geopolítico, o tumulto na Síria é o mais relevante no mundo árabe desde a queda de Hosni Mubarak no Egito. Inimigo declarado de Israel, o país tem alinhamento com o Irã e imiscui-se na política tanto do Líbano quanto, em grau menor, do Iraque.
Apesar das investidas contra civis desarmados, não se vislumbra uma intervenção militar internacional nos moldes da que se passa na Líbia. Muammar Gaddafi é uma figura em descrédito até mesmo entre os árabes, e sua queda eventual teria efeitos circunscritos. A instabilidade do regime sírio, por seu turno, traria implicações bem mais perturbadoras para toda a região.


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