São Paulo, Quarta-feira, 31 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Otimismo paradoxal

ANTONIO DELFIM NETTO

Pode parecer paradoxal, mas, desde a desastrada operação que obrigou à liberação do mercado cambial permitindo a flutuação, há razões para maior otimismo com relação ao futuro da economia brasileira. Como vivemos momentos complicados, com a taxa de juro real ainda elevada, com algumas flutuações selvagens da taxa de câmbio e sob a ameaça de um retorno inflacionário, muitas pessoas duvidam que aquela proposição possa ser correta.
É preciso compreender que, sem a correção do câmbio real, que é uma variável endógena do sistema econômico, determinado pelo diferencial dos preços dos bens transacionáveis com relação aos não-transacionáveis externamente, não havia nenhuma esperança de que pudéssemos voltar ao equilíbrio interno e externo no nível de plena utilização de nossa capacidade produtiva. Por quê?
Por uma razão de ordem lógica. Tínhamos, como temos ainda, dois problemas: 1º) um baixo nível de atividade interna, resultante das elevadas taxas de juros reais, produzindo um nível insuportável de desemprego e 2º) mesmo com um baixo nível de atividade, tínhamos um déficit em conta corrente insustentável, que os credores se cansaram de financiar. Nos últimos quatro anos consumimos US$ 110 bilhões de poupança externa, sem gerar aumento de capacidade exportadora que pudesse dar-lhes alguma tranquilidade.
É uma necessidade lógica que, para atingir dois objetivos, precisamos de dois instrumentos independentes. Quais os instrumentos de que dispomos agora para corrigir os dois desequilíbrios que vivemos? A política fiscal e a política cambial. Até os eventos de janeiro de 1999, o governo insistia que "o câmbio real se autocorrigiria, com pequenas desvalorizações mensais e ganhos de produtividade". Sobrava-lhe, portanto, apenas um instrumento: o corte do déficit fiscal. A solução dos dois desequilíbrios com qualquer superávit primário era impossível. No limite, se o governo tivesse liberdade de reduzir o déficit e produzir, digamos, um superávit primário de 7% ou 8%, ele poderia obter o equilíbrio externo, mas à custa de uma recessão cavalar, talvez a queda de 8% a 15% do PIB, ou seja, à custa de um imenso desequilíbrio interno. Com apenas um instrumento (a política fiscal) ele não poderia (era logicamente impossível) atingir os dois objetivos. Não havia, portanto, nenhuma esperança de que pudéssemos caminhar na direção correta.
A flutuação cambial devolveu ao governo o segundo instrumento. Com algum tempo, paciência e um pouco de sorte, existe agora a possibilidade de restabelecer o equilíbrio interno e externo. Se vamos obtê-lo ou não, depende de nós. Da nossa capacidade de construir um novo e mais eficiente sistema fiscal, conservando o instrumento cambial. É por isso que apoiamos fortemente a posição do ilustre presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, de que a prioridade número um do país é a aprovação da reforma tributária e da lei de responsabilidade fiscal.
Ontem não havia esperança. Hoje há.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: PDLIS
Próximo Texto: Frases

Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.