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Otimismo paradoxal
ANTONIO DELFIM NETTO
Pode parecer paradoxal, mas, desde a
desastrada operação que obrigou à liberação do mercado cambial permitindo a flutuação, há razões para maior
otimismo com relação ao futuro da
economia brasileira. Como vivemos
momentos complicados, com a taxa de
juro real ainda elevada, com algumas
flutuações selvagens da taxa de câmbio
e sob a ameaça de um retorno inflacionário, muitas pessoas duvidam que
aquela proposição possa ser correta.
É preciso compreender que, sem a
correção do câmbio real, que é uma
variável endógena do sistema econômico, determinado pelo diferencial
dos preços dos bens transacionáveis
com relação aos não-transacionáveis
externamente, não havia nenhuma esperança de que pudéssemos voltar ao
equilíbrio interno e externo no nível de
plena utilização de nossa capacidade
produtiva. Por quê?
Por uma razão de ordem lógica. Tínhamos, como temos ainda, dois problemas: 1º) um baixo nível de atividade
interna, resultante das elevadas taxas
de juros reais, produzindo um nível insuportável de desemprego e 2º) mesmo
com um baixo nível de atividade, tínhamos um déficit em conta corrente
insustentável, que os credores se cansaram de financiar. Nos últimos quatro
anos consumimos US$ 110 bilhões de
poupança externa, sem gerar aumento
de capacidade exportadora que pudesse dar-lhes alguma tranquilidade.
É uma necessidade lógica que, para
atingir dois objetivos, precisamos de
dois instrumentos independentes.
Quais os instrumentos de que dispomos agora para corrigir os dois desequilíbrios que vivemos? A política fiscal e a política cambial. Até os eventos
de janeiro de 1999, o governo insistia
que "o câmbio real se autocorrigiria,
com pequenas desvalorizações mensais e ganhos de produtividade". Sobrava-lhe, portanto, apenas um instrumento: o corte do déficit fiscal. A solução dos dois desequilíbrios com qualquer superávit primário era impossível. No limite, se o governo tivesse liberdade de reduzir o déficit e produzir,
digamos, um superávit primário de 7%
ou 8%, ele poderia obter o equilíbrio
externo, mas à custa de uma recessão
cavalar, talvez a queda de 8% a 15% do
PIB, ou seja, à custa de um imenso desequilíbrio interno. Com apenas um
instrumento (a política fiscal) ele não
poderia (era logicamente impossível)
atingir os dois objetivos. Não havia,
portanto, nenhuma esperança de que
pudéssemos caminhar na direção correta.
A flutuação cambial devolveu ao governo o segundo instrumento. Com algum tempo, paciência e um pouco de
sorte, existe agora a possibilidade de
restabelecer o equilíbrio interno e externo. Se vamos obtê-lo ou não, depende de nós. Da nossa capacidade de
construir um novo e mais eficiente sistema fiscal, conservando o instrumento cambial. É por isso que apoiamos
fortemente a posição do ilustre presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, de que a prioridade número um do país é a aprovação da reforma tributária e da lei de responsabilidade fiscal.
Ontem não havia esperança. Hoje há.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
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