São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2007

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A divisão do bolo

Alheio à discussão sobre o que de fato importa no Orçamento, o Congresso habituou-se a aproveitar suas migalhas generosas

O CONGRESSO ensaiou colocar em pauta, mas resolveu anteontem adiar para o segundo semestre, a discussão sobre mudanças na elaboração da lei orçamentária. Parece prudente, desta vez, a decisão dos parlamentares. O debate é necessário e mesmo premente, mas não deve ser realizado de afogadilho, como reação precipitada ao impacto inicial da Operação Navalha.
Até porque, ao contrário do que fez supor certa propaganda enganosa, difundida em entrevistas de próceres do governo federal, não há, por ora, evidências de que o esquema investigado pela Polícia Federal passe pela tramitação do Orçamento. Interessa ao Executivo, isto sim, afastar de si e "congressualizar" um escândalo no qual vários ministérios do governo Luiz Inácio Lula da Silva se vêem comprometidos. A maior parte do dinheiro pago à empreiteira Gautama decorreu de iniciativas do governo federal -é bom ressaltar, conforme, aliás, mencionou reportagem de Gustavo Patu, nesta Folha.
Isso não significa que a lei orçamentária não careça de aperfeiçoamentos -pelo contrário. Desde que não funcione como cortina de fumaça nem, tampouco, seja tomada como panacéia contra a corrupção, há muito o que alterar a fim de tornar mais transparente e racional o destino dos recursos públicos do país.
Qualquer debate, porém, deve considerar o dado de que mais de 80% do Orçamento é engessado pelas vinculações que a Constituição fixou e pelos gastos com pessoal e Previdência.
A barganha, ano a ano, se concentra em torno das despesas não-obrigatórias -menos de 20% do Orçamento, algo em torno dos R$ 112 bilhões neste ano. É aí que atuam as emendas parlamentares ou de bancada. Embora tenham sido disciplinadas depois da CPI do Orçamento, em 1993, e hoje tenham alcance mais limitado, tais emendas permanecem um ninho acolhedor para a fisiologia.
Servem tanto aos deputados, que atendem demandas paroquiais ou patrocinam grandes lobbies privados, como ao Executivo, que usa a liberação das verbas como moeda de troca.
Alheio à discussão sobre o que realmente importa e faz diferença -os projetos prioritários e as vocações do país-, o Congresso hoje é pouco mais que um pedinte que se alimenta das migalhas (generosas, é verdade) do bolo na sua relação com o Executivo.
O Parlamento brasileiro habituou-se a tirar proveito de seu papel mesquinho e subalterno na elaboração do Orçamento: todo ano estima receitas que não existem a fim de contrabandear mais emendas em benefício próprio; o Executivo, por sua vez, subestima as mesmas receitas e depois contingencia o dinheiro, ampliando com isso seu poder de chantagem ao longo do ano. É o jogo atual, infelizmente. Trata-se de um problema institucional amplo, que envolve a relação entre os Poderes e a vitalidade da democracia. Seria bom se os parlamentares o enfrentassem.


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