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A divisão do bolo
Alheio à discussão sobre o que de fato importa no Orçamento, o Congresso habituou-se a aproveitar suas migalhas generosas
O CONGRESSO ensaiou colocar em pauta, mas
resolveu anteontem
adiar para o segundo
semestre, a discussão sobre mudanças na elaboração da lei orçamentária. Parece prudente, desta vez, a decisão dos parlamentares. O debate é necessário e mesmo premente, mas não deve ser
realizado de afogadilho, como
reação precipitada ao impacto
inicial da Operação Navalha.
Até porque, ao contrário do
que fez supor certa propaganda
enganosa, difundida em entrevistas de próceres do governo federal, não há, por ora, evidências
de que o esquema investigado
pela Polícia Federal passe pela
tramitação do Orçamento. Interessa ao Executivo, isto sim, afastar de si e "congressualizar" um
escândalo no qual vários ministérios do governo Luiz Inácio
Lula da Silva se vêem comprometidos. A maior parte do dinheiro pago à empreiteira Gautama decorreu de iniciativas do
governo federal -é bom ressaltar, conforme, aliás, mencionou
reportagem de Gustavo Patu,
nesta Folha.
Isso não significa que a lei orçamentária não careça de aperfeiçoamentos -pelo contrário.
Desde que não funcione como
cortina de fumaça nem, tampouco, seja tomada como panacéia
contra a corrupção, há muito o
que alterar a fim de tornar mais
transparente e racional o destino dos recursos públicos do país.
Qualquer debate, porém, deve
considerar o dado de que mais
de 80% do Orçamento é engessado pelas vinculações que a
Constituição fixou e pelos gastos
com pessoal e Previdência.
A barganha, ano a ano, se concentra em torno das despesas
não-obrigatórias -menos de
20% do Orçamento, algo em torno dos R$ 112 bilhões neste ano.
É aí que atuam as emendas parlamentares ou de bancada. Embora tenham sido disciplinadas
depois da CPI do Orçamento, em
1993, e hoje tenham alcance
mais limitado, tais emendas permanecem um ninho acolhedor
para a fisiologia.
Servem tanto aos deputados,
que atendem demandas paroquiais ou patrocinam grandes
lobbies privados, como ao Executivo, que usa a liberação das
verbas como moeda de troca.
Alheio à discussão sobre o que
realmente importa e faz diferença -os projetos prioritários e as
vocações do país-, o Congresso
hoje é pouco mais que um pedinte que se alimenta das migalhas
(generosas, é verdade) do bolo
na sua relação com o Executivo.
O Parlamento brasileiro habituou-se a tirar proveito de seu
papel mesquinho e subalterno
na elaboração do Orçamento: todo ano estima receitas que não
existem a fim de contrabandear
mais emendas em benefício próprio; o Executivo, por sua vez,
subestima as mesmas receitas e
depois contingencia o dinheiro,
ampliando com isso seu poder
de chantagem ao longo do ano. É
o jogo atual, infelizmente. Trata-se de um problema institucional
amplo, que envolve a relação entre os Poderes e a vitalidade da
democracia. Seria bom se os parlamentares o enfrentassem.
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