São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Confissão incompleta
RICARDO SEITENFUS
O repúdio violento e unânime do governo, da oposição e dos formadores de opinião brasileiros à inaceitável intromissão nos assuntos internos -o presidente do Supremo Tribunal Federal considerou a declaração como um atentado à soberania nacional- deve ser matizado. Por um lado, constitui obrigação do FMI zelar pelo bom uso de seus recursos. Ora, os princípios da boa governança, que orientam suas ações, privilegiam, entre outros aspectos, a luta contra a corrupção. Todavia o organismo foi conivente, ao longo de sua trajetória, com governos ditatoriais e corruptos. Os exemplos de Fujimori, no Peru, e dos numerosos déspotas africanos indicam claramente que o princípio de luta contra a corrupção foi sacrificado no altar dos ajustes estruturais promovidos pelo Fundo. Por outro lado, a unânime reação brasileira é de um nacionalismo bizarro, já que ela resulta de um repúdio ao mensageiro, e não à mensagem. Muitas denúncias de corrupção alimentam quotidianamente as páginas dos jornais brasileiros, e o próprio presidente Cardoso reconheceu, publicamente, em recente entrevista, a existência de uma "corrupçãozinha" no Estado brasileiro. Finalmente, caso o secretário O'Neill não tenha se referido à corrupção primária e objetiva, mas aos mecanismos financeiros que permitam que os recursos provenientes do FMI sejam utilizados para remunerar os especuladores -a maioria seus conterrâneos-, aconselho que inicie imediatamente a reforma do sistema econômico internacional. O domínio absoluto do capital financeiro sobre o produtivo; a ausência de regras que moldem e controlem o mercado de capitais; a multiplicação dos paraísos financeiros, que trazem imensos prejuízos para os países emergentes; e as dificuldades impostas ao controle da lavagem de dinheiro são alguns aspectos da economia-cassino em que se transformou o capitalismo. Tanto os contribuintes norte-americanos quanto nós, povos da periferia, agradeceríamos se o sr. O'Neill substituísse suas denúncias por ações concretas, fazendo com que, finalmente, as organizações internacionais estivessem à altura dos desafios contemporâneos. Ricardo Antônio Silva Seitenfus, 54, doutor em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra, é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (RS) e autor, entre outras obras, do "Manual das Organizações Internacionais" (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Emerson Kapaz: Para reverter o pessimismo Índice |
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