São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2008

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Editoriais

Fracasso em Genebra

Brasil perde com novo colapso da Rodada Doha, mas trilhou na Suíça um caminho melhor para negociações comerciais

POUCAS VEZES desde que foi lançada, em 2001, a Rodada Doha de liberalização do comércio mundial esteve tão próxima de uma conclusão como agora em Genebra. Teria sido, decerto, um desfecho aquém das expectativas iniciais, talvez insuficiente para lançar uma nova era nas trocas mercantis internacionais. Ainda assim, teria sido um bom acordo, especialmente para o Brasil.
Entretanto, por um impasse lateral ao núcleo da proposta delineada na sexta -quando o Itamaraty ousou, acertadamente, afastar-se de parceiros tradicionais como Argentina, China e Índia para endossar um texto favorável ao interesse brasileiro-, a negociação naufragou. Índia e EUA foram irredutíveis em suas posições acerca do mecanismo de salvaguardas especiais, que permitiria a uma nação elevar extraordinariamente suas tarifas quando as importações de determinado produto disparassem.
Os emissários do governo Bush negociavam algo -a queda dos subsídios agrícolas- que talvez não pudessem entregar, dada a hostilidade, agravada em período eleitoral, do Congresso dos EUA ao tema e à gestão republicana. É possível que tenham encontrado numa disputa acessória com a Índia um pretexto para dinamitar as negociações de Genebra e, assim, transmitir o ônus para o próximo presidente, que tomará posse em janeiro.
O negociador de Nova Déli, Kamal Nath, desde cedo mostrou que foi à Suíça para exibir-se como um herdeiro de Nehru na defesa dos pobres do mundo contra os ardis imperialistas. O discurso, ultrapassado nas principais democracias contemporâneas, ainda faz sucesso na Índia, em especial no Partido do Congresso, pelo qual Nath pretende tornar-se premiê no ano que vem.
Por conta de idiossincrasias desse naipe, a agenda de liberalização do comércio agrícola mergulha agora num novo período de refluxo. Dificilmente voltará à tona antes da reconfiguração política por que vão passar a Casa Branca e o Congresso americano. Os países começam, então, a buscar alternativas menos ambiciosas, como os acordos bilaterais e setoriais de comércio.
Prevê-se também um novo ciclo de conflitos judiciais na Organização Mundial do Comércio. Questionamentos contra subsídios e barreiras a importações, que estavam engavetados à espera de solução sistêmica na Rodada Doha, serão retomados.
Embora o Brasil tenha sido bastante prejudicado pela falta de acordo em Genebra, pois teria muito a ganhar com a queda de barreiras a suas exportações agrícolas, o saldo para a diplomacia brasileira não foi ruim. O Itamaraty percebeu, enfim, as peculiaridades das negociações comerciais e soube se desvencilhar de amarras meramente ideológicas a fim de defender o interesse econômico brasileiro.
Que tenha sido o início, ainda que tardio, de uma fase mais pragmática na diplomacia comercial do governo Lula. Tal ânimo será necessário para romper tabus, como a negociação de tratados comerciais com os EUA e a emancipação do Brasil, no âmbito do Mercosul, para fazer os acordos que lhe interessarem.


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