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O futuro, o passado
JOSÉ SARNEY
Conheci, hoje, o milagre do tempo.
Amanheci jovem, estudante do Liceu
Maranhense. Naquela época, a companhia de eletricidade de São Luís era
a americana Ulen Company, o telégrafo, Western Telegraph, os bondes
eram também da Ulen; no Rio, a energia era da Light e em tudo havia nomes estrangeiros, inclusive nas telefônicas. Naquele tempo a manteiga era
francesa, a latinha tinha um pelicano,
sob marca Le Peletier, e era tão nobre
que só meu pai, como chefe de família, sentado à cabeceira da mesa, tinha
o privilégio de prová-la. Para nós, a
meninada, era manteiga de garrafa.
Depois, os investidores recuperaram
seu capital inicial, deixaram de investir, ficaram mamando os lucros e os
serviços acabaram. O governo teve
que intervir. Criou companhias. Ineficientes ou eficientes, colocaram o
Brasil na chamada modernidade. Vieram-me os cabelos brancos, e os nomes desse tempo eram Telebrás, Embratel, Telma, Eletrobrás, Petrobrás.
Agora, quando todos dizem que estamos no futuro, tenho a sensação de
que volto ao passado. Acordo e, como
em minha mocidade, vejo novamente
nomes estrangeiros. A Light é Light, a
Embratel é MCI, o gigante dos satélites, Ozires agora é Jerry DeMartino,
que esmagou a Globopar, o Bradesco
e os tupiniquins. A Telesp é Telefónica
de España, a Telebrasília é Telecom
Itália. Diz o presidente da Anatel que
"em breve, em todas as localidades
com mais de mil habitantes, quem pedir uma linha telefônica a receberá em
um mês". Mas, precavido com a profecia, adverte: "A qualidade dos serviços será mantida", reconhecendo
que podem piorar, e sentencia: "Queremos evitar que aconteça o que aconteceu com a Light, que prejudicou o
consumidor". Já o ministro das Comunicações proclama que assistimos
a uma "grande revolução". O Brasil
teve a coragem de entregar de uma só
vez ao capital estrangeiro todo o setor
de telecomunicação, 27 Estados e não
só isso, mas o grande mercado nacional. "É uma decisão de coragem e
modernidade." Cá para mim, nenhum país do mundo abriu mão da
totalidade do controle de suas empresas. Já ouvi que, no setor bancário, o
Brasil pode ir aos EUA e comprar o
Citibank, o Morgan etc. Mas tem que
ter R$ 300 bilhões! Um favelado pode
comprar uma mansão no Morumbi.
Nada o impede, a não ser sua capacidade financeira. Há coisas que são
possíveis e impossíveis. É a velha e cediça história do leão e do cordeiro,
iguais e livres.
Quem vai controlar essas empresas
todas? A Anatel? Mas a Anatel ainda
nem existe, os tecnocratas dizem que
ela só tem 38% de pessoal para exercer
sua função. A verdade é que quem
compra será o dono da empresa. São
gigantes internacionais, incontroláveis, que se estão fundindo para chegar a um estágio de monopólio. Farão
tudo com um único objetivo: o lucro.
Tudo isso paga quatro meses de juros da dívida brasileira. Nosso pagamento de juros em 97 foi de R$ 53,2
bilhões, responsável por 80% do déficit público.
Não sou contra o capital estrangeiro.
Sou contra o seu domínio completo.
Devíamos ter a presença do capital
nacional, com grande peso. O erro foi
permitir 100% de capital estrangeiro.
É o que se chama abertura selvagem,
que começou em 1990.
Quando tudo isso estiver a pleno vapor, o capital investido retornando, os
lucros e royalties também, estaremos
definitivamente condenados a um estágio de colônia, pagando dízimos incomensuráveis. É o futuro? Não, é o
passado.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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