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Palavras ao vento
Programa de governo do PT nada diz; discurso que muda conforme a platéia costuma preceder estelionato eleitoral
FICOU CELEBRIZADA a reação do então ministro da
Fazenda Mário Henrique
Simonsen ao ser indagado
sobre o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, que acabara de
ser lançado pelo governo de Ernesto Geisel: "Não leio ficção".
Qualificar de ficção o autodenominado programa de governo do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, divulgado na terça-feira,
seria elogioso. As 30 páginas poderiam ser resumidas a uma só,
em branco, tamanho o grau de
generalidade do que expressam.
Abaixar os juros, ampliar o gasto social, aumentar os investimentos públicos e privados, acelerar o crescimento do PIB, fortalecer o SUS e universalizar o
ensino básico são metas que estão no universo semântico da cura do câncer: todos são a favor.
Mas, além de empenhar-se em
trazer a Copa do Mundo de futebol de 2014 para o Brasil, a que
projetos, especificamente, uma
hipotética segunda gestão Lula
dedicaria suas energias para a
consecução de ao menos parte
daqueles nobres objetivos?
A essa questão, que deveria ser
o ponto de partida para a confecção de qualquer programa de governo, o texto do PT não responde. De onde sairão os recursos
para o desejado aumento dos
dispêndios sociais? Que fundos
sustentarão a ampliação do gasto
federal em infra-estrutura, hoje
em níveis pífios? É possível fazer
os dois ao mesmo tempo, dado o
patamar asfixiante da carga tributária e da dívida pública?
O programa de governo de Lula marca um retrocesso em relação ao que o próprio candidato
havia afirmado há uma semana,
em discurso no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Lá, diante de empresários, expressou a necessidade de "diminuir as despesas de
custeio" do Estado, bem como o
peso dos impostos no país.
Muda a platéia, muda o discurso. Para agradar empreendedores, corte de gasto e de impostos;
para afagar a militância petista,
aumento de despesa e arroubos
retóricos contra a "privataria" da
era tucana. Para não perder votos de ninguém, cobrado ontem
acerca do assunto, Lula voltou a
prometer carga fiscal mais baixa.
Em política, uma campanha
"customizada" -como se diz no
jargão em voga-, ao gosto de cada freguês, é apenas a ante-sala
do logro, do estelionato eleitoral.
Não favorece o amadurecimento
da democracia a estratégia em
que o candidato despista o eleitorado ao longo da campanha para depois de eleito explicitar a
que interesses irá desagradar.
De acordo com o Datafolha,
Lula teria mais de 60 milhões de
votos caso a eleição fosse hoje. Se
dá valor às palavras "transparência" e "ética" -que insiste em
pronunciar a torto e a direito
mesmo após o mensalão ter-lhe
varrido as cúpulas do governo e
do partido-, o candidato à reeleição deveria explicitar o que
pretende fazer com tamanho capital eleitoral. Deveria ser o primeiro interessado em participar
de debates e entrevistas.
Lula, porém, foge o quanto pode desse compromisso com a
evolução das instituições políticas. Seu séquito continua a tratá-lo como um ídolo religioso, que
não pode ser profanado.
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