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Meu "comunismo"
ARIANO SUASSUNA
Nunca fui marxista. Apesar disso,
quando, na década de 50, foi lançado o
"Auto da Compadecida", fui denunciado como comunista num artigo de
Plínio Salgado, líder da extrema direita brasileira. E, no dia 26 de novembro
de 1959, abrindo a "Folha da Tarde", li
a seguinte notícia:
"Infiltração comunista no teatro
-determinado maior rigor da Censura:
- Em cumprimento ao despacho do
diretor da Divisão de Diversões Públicas da Secretaria da Segurança, a Censura deverá intensificar a fiscalização
das peças teatrais. Foi recomendada
aos censores acuidade à denúncia feita
pelo cardeal do Rio de Janeiro, segundo a qual o teatro estaria sendo utilizado para a infiltração comunista no
país. Dom Jaime de Barros Câmara,
naquela denúncia, fez alusão a um relatório sobre o teatro brasileiro, feito
por agentes soviéticos e enviado à
URSS. Esse relatório diz que o campo
de ação dos comunistas visa os cursos
de arte cênica nos países da América,
como Uruguai, México e Brasil, e terá
por objetivo semear a discórdia entre
a população. Diz ainda que da ofensiva cultural da URSS constará a criação
da Federação Mundial Juvenil de Teatro, que comportará um departamento latino-americano e que já teria assegurada a colaboração de diversos autores, inclusive brasileiros. Entre esses
autores, dom Jaime aponta nominalmente Ariano Suassuna, além de outros, estrangeiros (principalmente poloneses), que desenvolvem suas atividades naqueles países citados".
O mais curioso, porém, é que mais
ou menos naqueles dias eu estava sendo atacado pelos marxistas porque,
atento aos crimes que então se praticavam na União Soviética (inclusive
perseguindo ou fuzilando intelectuais,
como fizeram com Boris Pasternak e
Ossip Mandelstam), eu era contrário à
colaboração dos católicos com eles.
Em 10 de junho de 1962, por exemplo, publiquei num jornal recifense
um artigo no qual fazia uma distinção
entre a esquerda "definida" e a esquerda "amestrada", isto é, a que obedecia incondicionalmente ao comando dos marxistas. É que um grande
amigo meu se queixara do tom violento que eu vinha usando em minhas
definições. Disse-me que ele próprio
era da esquerda e estava se sentindo
atingido por elas; o que me levou a escrever, no artigo, que, quando me
opunha aos esquerdistas "amestrados", incluía aí somente aqueles que
"sendo católicos, por exemplo, não se
definem diante dos comunistas, omitindo-se de seus crimes ou aliando-se
com eles". Acrescentava: "Quando os
capitalistas cometem seus crimes, tais
católicos de esquerda se juntam aos
comunistas para protestar contra eles;
mas, quando os comunistas cometem
os seus, amoitam-se e os subscrevem
com seu silêncio, uns por oportunismo, outros pelo medo ridículo de passarem por reacionários".
Trinta anos se passaram e, graças a
Deus, a situação mudou. Marxistas
como os do PC do B, por exemplo, reviram suas posições e hoje são nossos
aliados na busca de um socialismo
brasileiro e democrático e na luta contra o governo antinacional e antipopular de Fernando Henrique Cardoso.
Ariano Suassuna escreve nesta coluna às terças-feiras.
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