São Paulo, sábado, 31 de outubro de 2009

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Editoriais

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Solução americana

Ao costurar acordo em Honduras, EUA ressaltam limitações do governo Lula para assumir novas tarefas na América Latina

PARA UM país como os EUA, envolvido em graves problemas internacionais, como a estabilização do Iraque e do Afeganistão, era natural que a opereta de Honduras não despertasse grande preocupação. A expulsão do país do presidente Manuel Zelaya, de pijamas, foi sem dúvida um gesto violento e inaceitável, a merecer repúdio. Ali os militares extrapolaram uma ordem da Suprema Corte, que determinava a prisão de Zelaya por suas manobras para atropelar a Constituição.
Um compreensível e elogiável clamor contra a arbitrariedade, liderado por governos latino-americanos, com eco na comunidade internacional, levou o presidente dos EUA a sentir-se pressionado, ao que reagiu de modo peculiar: "Não posso apertar um botão e reinstalar Zelaya no cargo", disse Obama no início de agosto. Aproveitou a ocasião para alfinetar aqueles que antes criticavam a ingerência dos EUA em países do continente e agora se queixavam "de não estarmos interferindo o suficiente".
Pois anteontem os EUA apertaram o botão. Um acordo entre o presidente deposto e o governo interino foi costurado pela equipe capitaneada por Thomas Shannon, responsável no Departamento de Estado pela América Latina -e embaixador indicado pela gestão Obama para o Brasil-, seu vice, Craig Kelly, e Dan Restrepo, do Conselho de Segurança Nacional.
A proposta mantém as eleições presidenciais para o próximo dia 29. Até lá, caberá ao Congresso aprovar ou não a volta do país à ordem anterior a 28 de junho, dia da expulsão de Zelaya. Caso o Legislativo a endosse, Zelaya cumprirá um simbólico final de mandato, e Roberto Micheletti, hoje presidente, reassumirá a chefia do Congresso -o vice renunciara para concorrer no pleito.
O desfecho do caso deixa o governo brasileiro e seus pares regionais numa situação desconfortável. Por mais que seja louvável a pretensão de países latino-americanos de solucionar conflitos regionais de maneira "autônoma", sem a interferência direta da grande potência mundial, o fato é que um acordo em Honduras só se tornou viável quando os americanos entraram em cena.
O episódio serve de lição para o Brasil, que desempenhou em toda essa história o papel de aprendiz de feiticeiro. Ao negar-se, desde cedo, a dialogar com Micheletti, o Itamaraty ignorou sua tradição de pautar-se pela não ingerência e pela solução mediada de conflitos. Assumiu uma atitude quase estudantil, inábil e intransigente. Inviabilizou-se como negociador.
A linha adotada pela gestão Lula também contrasta com o fato de o atual governo sentar-se à mesa com ditadores os mais variados e eximir-se de condenar, por exemplo, a ditadura sudanesa, por sua responsabilidade na campanha de "limpeza étnica", responsável pela morte de 300 mil pessoas no país africano.
Ao abdicar do papel de intermediador e deixar que a embaixada em Tegucigalpa se transformasse em sede de um comitê de agitação política, o governo brasileiro demonstrou amadorismo ao assumir as novas responsabilidades que o futuro parece reservar ao país.


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