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TENDÊNCIAS/DEBATES
O combate à violência no Rio de Janeiro
passa pela legalização das drogas?
SIM
A guerra às drogas fracassou
LUIZ EDUARDO SOARES
PERMITIR O acesso às drogas: essa hipótese assusta qualquer
pessoa de bom senso. Melhor
que não haja acesso. Melhor ainda seria que nem sequer houvesse drogas.
Mas não é essa a realidade.
A proibição prevista em lei não vigora. Drogas são vendidas em toda
parte em que há demanda, independentemente da qualidade das polícias
e dos gastos investidos na repressão.
A guerra às drogas fracassou.
Como os EUA demonstraram ao
vencer a Guerra Fria, nenhuma força
detém o mercado. Pode-se apenas
submetê-lo a regulamentações. É irônico que esse mesmo país defenda a
erradicação das drogas ilícitas.
Eis o resultado do proibicionismo:
crescem o tráfico, a corrupção e o
consumo. Estigmatizados, os usuários padecem da ignorância sobre as
substâncias que ingerem, escondem-se, em vez de buscar ajuda, e, mesmo
quando não passam de consumidores
eventuais, involuntariamente alimentam a dinâmica da violência armada e do crime que se organiza, penetrando instituições públicas.
Além disso, o Estado impõe aos escolhidos e classificados como "traficantes" -pelo filtro seletivo de nosso
aparato de segurança e Justiça criminal- o futuro que pretende evitar: a
carreira criminal. Digo "escolhidos"
porque se sabe que a mesma quantidade de droga pode ser avaliada como
provisão para consumo (quando o
"réu" é branco de classe média) ou
evidência de tráfico (quando o "preso" é pobre e negro).
Retornemos à primeira evidência:
o acesso às drogas -não o impedimento- é a realidade. Ora, se essa é a
realidade e nenhum fator manejável,
no campo da Justiça criminal, pode
incidir sobre sua existência para alterá-la, a pergunta pertinente deixa de
ser: "Deveríamos proibir o acesso às
drogas?". Trata-se de indagar: "Em
que ambiente institucional legal o
acesso provocaria menos danos? Que
política de drogas e qual repertório
normativo seriam mais efetivos para
reduzir custos agregados, sofrimento
humano e violência?".
Há ainda uma dimensão não pragmática a considerar. Não considero
legítimo que o Estado intervenha na
liberdade individual e reprima o uso
privado de substâncias -álcool, tabaco ou maconha.
A ausência do álcool no debate
-droga cujos efeitos têm sido os mais
devastadores- revela a artificialidade (alguns diriam a hipocrisia) das
abordagens predominantes.
Se o atual modelo foi derrotado pelos fatos, qual seria a alternativa? Proponho a legalização das drogas, e não
apenas a flexibilização na abordagem
do consumidor. O tráfico deveria passar a ser legal e regulado.
Isso resolve o problema das drogas?
Não, mas o situa no campo em que
pode ser enfrentado com mais racionalidade e menos injustiça -e menos
violência, ainda que esse seja só mais
um argumento, e não a única ou principal justificativa para a legalização.
Há quem considere que uma eventual legalização não exerceria impacto sobre a violência, uma vez que os
criminosos migrariam para outras
práticas. Discordo.
Acho que o efeito da legalização não
seria desprezível porque: 1) sem drogas, seria mais difícil financiar as armas; 2) mudaria a dinâmica de recrutamento para o crime, que perderia
vigor, pois outros crimes envolvem
outras modalidades organizativas e
outras linguagens simbólicas, muito
menos sedutoras e acessíveis aos pré-adolescentes; 3) entraria em colapso a
maldição do crack e seus efeitos violentos; 4) se esgotaria a principal fonte de corrupção; 5) finalmente, como
pesquisas demonstram, em cada processo de migração, o crime perderia
força e capacidade de reprodução.
Opiniões respeitáveis aprovam esses argumentos, mas alertam: nada
podemos fazer antes que o mundo se
ponha de acordo e decida avançar rumo à legalização das drogas.
Discordo.
Se não nos movermos, não ajudaremos o mundo a se mover. Com prudência, mas também com audácia, temos de nos rebelar contra esse perverso relicário de iniquidades.
LUIZ EDUARDO SOARES é professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da Universidade Estácio de Sá. Foi secretário nacional de Segurança Pública
(2003).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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