São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

2005 deixará uma "herança maldita" para 2006?

SIM

Uma herança medíocre

CARLOS LESSA

O triênio Lula repetirá a débil média de crescimento dos últimos 15 anos. Nossos 2,5% só superam, no Novo Mundo, o crescimento de El Salvador, Haiti, Jamaica e Guiana. Na América Latina e Caribe, a média de 2005 será de 4,3%. Segundo a Cepal, neste ano, o pífio crescimento brasileiro só superará o do Haiti (1,5%). Os emergentes crescerão, neste ano, 6,4%; o mundo, 4,3%. O Brasil não emerge, rasteja.
O presidente Lula disse: "É muito simplista comparar o Brasil com qualquer outro país. Tem que comparar com a nossa lógica." (???).
O crescimento em 2004 foi um típico vôo de galinha. É positiva a geração de novos empregos, mas o que cresce são os setores que pagam os menores salários. Em 2005, o rendimento real médio foi 11,2% inferior ao de 2002. O Bolsa-Família melhora a proteção social. No Nordeste, estão 46,9% das famílias pobres e são distribuídos 49,3% das bolsas. Entretanto, 8,7 milhões de famílias recebem aproximadamente 50 centavos/dia por membro da família assistida. É positiva a elevação do salário mínimo, que permanece, no entanto, insuficiente.
Enquanto isso, o governo federal paga R$ 146 bilhões de juros da dívida pública, a qual não pára de crescer e já se aproxima de R$ 1 trilhão. Segundo estimativa do professor Marcio Pochmann, 70% desses juros destinam-se a apenas 20 mil famílias. São R$ 110 bilhões para os muito ricos, em contraste com R$ 7 bilhões para os muito pobres. O governo pratica a mais brutal concentração de renda e riqueza do planeta. Aqui reside a grande maldição, que, com o tempo, só tem feito crescer.
Nos últimos meses, a taxa de juros real começou a descer. Após a queda de braço entre os ministros Dilma e Palocci, anunciou-se uma expansão de investimentos e algum oxigênio para as políticas públicas no próximo ano. É visível o estímulo para a galinha dar novo pulo.
Lula disse: "Não prometo, garanto ao povo brasileiro que vamos ter um Brasil se desenvolvendo muito mais em 2006, com crescimento mais vigoroso e sólido. (...) Fizemos o que tínhamos que fazer em 2003/05, alguns sacrifícios para que a gente pudesse controlar a inflação". Anuncia-se uma política consistente de redução da taxa de juros e estuda-se a desoneração de produtos da cesta básica e de itens de construção civil. Qual será o fôlego da galinha?
O senador Aloizio Mercadante afirmou: "O governo não tem como reduzir o superávit primário. Tem responsabilidade fiscal e a dívida pública é muito alta". É modesta a intenção de expandir o gasto público não-financeiro em 2006. O Tesouro continuará empenhado em um superávit de 4,25% do PIB. Os impostos dos brasileiros continuarão fluindo para a sangria de juros e para os bolsos dos muito ricos.
Qualquer alívio dependerá de uma queda firme da taxa de juros. A Selic, pelo que pensam as autoridades, não deve terminar 2006 abaixo de 13% ou 14%. Provavelmente, o BC considera que a taxa de juros real de equilíbrio para o Brasil é uma proxi dos títulos lançados no exterior. Eles vencem em 2031, remuneram seus titulares com 8,4% de juro real e são indexados ao IGP-M. Descontado o IR na fonte, a taxa real será de 7%. É um juro brutal. Continuaremos sendo o campeão mundial -dos juros.
Lula tem dito e redito que o Conselho Monetário é soberano em relação a juros. O conservadorismo da política monetária será mantido.
É compreensível a cautela empresarial. A Ciesp divulgou pesquisa recente mostrando queda de confiança para 2006. Há um ano, das 712 empresas entrevistadas, 80% eram otimistas. Agora, 56% não prevêem expansão para o próximo ano. Afinal, não vislumbram enfrentamento das restrições fiscais nem o abandono da ortodoxia monetária.
No próximo semestre, haverá a combinação da lenta redução da taxa de juros com a proclamação de uma série de projetos e algumas liberações parciais de recursos orçamentários. Trombetas soarão, afinal, 2006 é um ano eleitoral. O governo procurará injetar modestas doses de adrenalina.
O país, porém, permanecerá prisioneiro de uma política econômica pró-mediocridade. O governo continuará firme na esperança do investimento estrangeiro. Tendo quitado a dívida externa com o FMI e o Clube de Paris, haverá redução no risco-Brasil. As agências de "rating" advertem: se o país não cresce, não reduz a dívida interna.
Mas o governo não escuta o óbvio: o capital estrangeiro investe nas economias que crescem. Continuará, pois, indo para a China.


Carlos Lessa, 69, economista, é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ. Foi reitor da UFRJ (2002) e presidente do BNDES.


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