|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
2005 deixará uma "herança maldita" para 2006?
SIM
Uma herança medíocre
CARLOS LESSA
O triênio Lula repetirá a débil média de crescimento dos últimos 15
anos. Nossos 2,5% só superam, no Novo Mundo, o crescimento de El Salvador, Haiti, Jamaica e Guiana. Na América Latina e Caribe, a média de 2005 será
de 4,3%. Segundo a Cepal, neste ano, o
pífio crescimento brasileiro só superará
o do Haiti (1,5%). Os emergentes crescerão, neste ano, 6,4%; o mundo, 4,3%.
O Brasil não emerge, rasteja.
O presidente Lula disse: "É muito simplista comparar o Brasil com qualquer
outro país. Tem que comparar com a
nossa lógica." (???).
O crescimento em 2004 foi um típico
vôo de galinha. É positiva a geração de
novos empregos, mas o que cresce são
os setores que pagam os menores salários. Em 2005, o rendimento real médio
foi 11,2% inferior ao de 2002. O Bolsa-Família melhora a proteção social. No
Nordeste, estão 46,9% das famílias pobres e são distribuídos 49,3% das bolsas.
Entretanto, 8,7 milhões de famílias recebem aproximadamente 50 centavos/dia
por membro da família assistida. É positiva a elevação do salário mínimo, que
permanece, no entanto, insuficiente.
Enquanto isso, o governo federal paga
R$ 146 bilhões de juros da dívida pública, a qual não pára de crescer e já se
aproxima de R$ 1 trilhão. Segundo estimativa do professor Marcio Pochmann,
70% desses juros destinam-se a apenas
20 mil famílias. São R$ 110 bilhões para
os muito ricos, em contraste com R$ 7
bilhões para os muito pobres. O governo pratica a mais brutal concentração
de renda e riqueza do planeta. Aqui reside a grande maldição, que, com o tempo, só tem feito crescer.
Nos últimos meses, a taxa de juros real
começou a descer. Após a queda de braço entre os ministros Dilma e Palocci,
anunciou-se uma expansão de investimentos e algum oxigênio para as políticas públicas no próximo ano. É visível o
estímulo para a galinha dar novo pulo.
Lula disse: "Não prometo, garanto ao
povo brasileiro que vamos ter um Brasil
se desenvolvendo muito mais em 2006,
com crescimento mais vigoroso e sólido. (...) Fizemos o que tínhamos que fazer em 2003/05, alguns sacrifícios para
que a gente pudesse controlar a inflação". Anuncia-se uma política consistente de redução da taxa de juros e estuda-se a desoneração de produtos da cesta básica e de itens de construção civil.
Qual será o fôlego da galinha?
O senador Aloizio Mercadante afirmou: "O governo não tem como reduzir
o superávit primário. Tem responsabilidade fiscal e a dívida pública é muito alta". É modesta a intenção de expandir o
gasto público não-financeiro em 2006.
O Tesouro continuará empenhado em
um superávit de 4,25% do PIB. Os impostos dos brasileiros continuarão
fluindo para a sangria de juros e para os
bolsos dos muito ricos.
Qualquer alívio dependerá de uma
queda firme da taxa de juros. A Selic, pelo que pensam as autoridades, não deve
terminar 2006 abaixo de 13% ou 14%.
Provavelmente, o BC considera que a
taxa de juros real de equilíbrio para o
Brasil é uma proxi dos títulos lançados
no exterior. Eles vencem em 2031, remuneram seus titulares com 8,4% de juro real e são indexados ao IGP-M. Descontado o IR na fonte, a taxa real será de
7%. É um juro brutal. Continuaremos
sendo o campeão mundial -dos juros.
Lula tem dito e redito que o Conselho
Monetário é soberano em relação a juros. O conservadorismo da política monetária será mantido.
É compreensível a cautela empresarial. A Ciesp divulgou pesquisa recente
mostrando queda de confiança para
2006. Há um ano, das 712 empresas entrevistadas, 80% eram otimistas. Agora,
56% não prevêem expansão para o próximo ano. Afinal, não vislumbram enfrentamento das restrições fiscais nem o
abandono da ortodoxia monetária.
No próximo semestre, haverá a combinação da lenta redução da taxa de juros com a proclamação de uma série de
projetos e algumas liberações parciais
de recursos orçamentários. Trombetas
soarão, afinal, 2006 é um ano eleitoral. O
governo procurará injetar modestas doses de adrenalina.
O país, porém, permanecerá prisioneiro de uma política econômica pró-mediocridade. O governo continuará
firme na esperança do investimento estrangeiro. Tendo quitado a dívida externa com o FMI e o Clube de Paris, haverá
redução no risco-Brasil. As agências de
"rating" advertem: se o país não cresce,
não reduz a dívida interna.
Mas o governo não escuta o óbvio: o
capital estrangeiro investe nas economias que crescem. Continuará, pois, indo para a China.
Carlos Lessa, 69, economista, é professor titular
do Instituto de Economia da UFRJ. Foi reitor da
UFRJ (2002) e presidente do BNDES.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Antonio Palocci Filho: Mais fortes e mais seguros Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|