São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ano Novo com esperança

GERALDO MAJELLA AGNELO

Lamentamos as inúmeras injustas desigualdades ainda presentes. Mas, nas nuvens carregadas, há esperança de um mundo melhor

AO INÍCIO do novo ano, muitas incertezas e pessimismos se apresentam à humanidade. O pobre mundo está cheio de violência e de morte. Certamente em todo o mundo quantos dão a sua vida para promover a paz.
O papa Bento 16 enviou mensagem para o Dia Mundial da Paz a fim de fazer chegar aos governantes e aos responsáveis das nações, bem como a todos os homens e mulheres de boa vontade, os votos de paz.
"Enviou-os, de modo particular, a quantos se encontram na tribulação e no sofrimento, a quem vive ameaçado pela violência e pela constrição das armas ou, espezinhado na sua dignidade, aguarda o próprio resgate humano e social. Enviou-os às crianças que, com a sua inocência, enriquecem a humanidade de bondade e de esperança e, com o seu sofrimento, a todos nos animam a sermos obreiros de justiça e de paz.
Pensando precisamente nas crianças, especialmente naquelas cujo futuro está comprometido pela exploração e pela maldade de adultos sem escrúpulos, quis que, por ocasião do Dia Mundial da Paz, a atenção se concentrasse sobre o tema: Pessoa humana, coração da paz. De fato, estou convencido de que, respeitando a pessoa, se promove a paz, e, construindo a paz, se assentam as premissas para um autêntico humanismo integral."
A pessoa humana foi pensada, amada e criada por Deus, a Ele semelhante na inteligência, na vontade, na liberdade para fazer o bem, não o mal.
A criatura humana tem dignidade de pessoa. Não é alguma coisa, mas alguém, capaz de conhecer, de se possuir e de livremente dar-se e de entrar em comunhão com outra pessoa. A humanidade recebeu um dom e uma missão para viver a paz. A paz vem de Deus -nele subsistem perfeitamente a verdade, a justiça e o amor. João Paulo 2º chamava a atenção: "Não vivemos num mundo irracional ou sem sentido. Existe uma lógica moral que ilumina a existência humana e torna possível o diálogo entre os homens e os povos".
Bento 16 chama de "gramática" transcendente o conjunto de regras da ação individual e do recíproco relacionamento entre as pessoas de acordo com a justiça e a solidariedade inscrita nas consciências conforme o sábio projeto de Deus.
A tarefa humana é respeitar a "gramática", realizar fielmente o projeto universal divino. O reconhecimento e o respeito pela lei natural constituem a grande base para o diálogo entre os crentes das diversas religiões e entre estes e os não crentes.
"O dever de respeitar a dignidade de cada ser humano, em cuja natureza se reflete a imagem do Criador, tem como conseqüência não se poder dispor da pessoa arbitrariamente."
O direito à vida e à livre expressão da própria fé em Deus não está nas mãos do homem. É importante conhecer claramente o que é disponível e o que não é.
Não somente as mortes violentas em conflitos entre nações, entre tribos, enfrentamentos políticos dentro do próprio país, terrorismo e diversas formas de violência devem nos impressionar mas também as mortes silenciosas provocadas pela fome, pelo aborto, pelas pesquisas sobre embriões e pela eutanásia. São atentados à paz. Se não há respeito à vida em seu início, como construir a paz duradoura sem criar ambiente de respeito à vida em todo o seu decurso até o fim natural?
O desrespeito à liberdade religiosa tem continuado. Isso é experimentado tanto por cristãos como por adeptos de outras religiões para professar pública e livremente as próprias convicções religiosas.
"No caso particular dos cristãos, devo ressaltar com tristeza que por vezes não se limitam a criar-lhes impedimentos; em alguns Estados, são mesmo perseguidos, tendo-se registrado ainda recentemente episódios de atroz violência. Existem regimes que impõem a todos uma única religião, enquanto regimes indiferentes alimentam não uma perseguição violenta, mas um sistemático desprezo cultural quanto às crenças religiosas." Isso não estimula a paz.
Temos a lamentar as inúmeras injustas desigualdades ainda tragicamente presentes no mundo: desigualdades no acesso a bens essenciais, como comida, água, casa, saúde; contínuas desigualdades entre homem e mulher no exercício dos direitos humanos fundamentais; explorações de mulheres, tratadas como objetos e em numerosas formas de falta de respeito pela sua dignidade.
Mas, nas nuvens carregadas, prenúncios de tempestades no relacionamento humano, há esperança de um mundo melhor, se houver conversão do coração humano para a verdade, a justiça, a fraternidade, a solidariedade e a paz. Depende de cada um de nós.


CARDEAL DOM GERALDO MAJELLA AGNELO, doutor em teologia com especialização em liturgia, arcebispo de Salvador (BA) e primaz do Brasil, é o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

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