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TENDÊNCIAS/DEBATES
Ano Novo com esperança
GERALDO MAJELLA AGNELO
Lamentamos as inúmeras injustas desigualdades ainda presentes. Mas, nas nuvens carregadas, há esperança
de um mundo melhor
AO INÍCIO do novo ano, muitas
incertezas e pessimismos se
apresentam à humanidade. O
pobre mundo está cheio de violência e
de morte. Certamente em todo o
mundo quantos dão a sua vida para
promover a paz.
O papa Bento 16 enviou mensagem
para o Dia Mundial da Paz a fim de fazer chegar aos governantes e aos responsáveis das nações, bem como a todos os homens e mulheres de boa
vontade, os votos de paz.
"Enviou-os, de modo particular, a
quantos se encontram na tribulação e
no sofrimento, a quem vive ameaçado
pela violência e pela constrição das
armas ou, espezinhado na sua dignidade, aguarda o próprio resgate humano e social. Enviou-os às crianças
que, com a sua inocência, enriquecem
a humanidade de bondade e de esperança e, com o seu sofrimento, a todos
nos animam a sermos obreiros de justiça e de paz.
Pensando precisamente nas crianças, especialmente naquelas cujo futuro está comprometido pela exploração e pela maldade de adultos sem
escrúpulos, quis que, por ocasião do
Dia Mundial da Paz, a atenção se concentrasse sobre o tema: Pessoa humana, coração da paz. De fato, estou convencido de que, respeitando a pessoa,
se promove a paz, e, construindo a
paz, se assentam as premissas para
um autêntico humanismo integral."
A pessoa humana foi pensada,
amada e criada por Deus, a Ele semelhante na inteligência, na vontade, na
liberdade para fazer o bem, não o mal.
A criatura humana tem dignidade de
pessoa. Não é alguma coisa, mas alguém, capaz de conhecer, de se possuir e de livremente dar-se e de entrar em comunhão com outra pessoa.
A humanidade recebeu um dom e
uma missão para viver a paz. A paz
vem de Deus -nele subsistem perfeitamente a verdade, a justiça e o amor.
João Paulo 2º chamava a atenção:
"Não vivemos num mundo irracional
ou sem sentido. Existe uma lógica
moral que ilumina a existência humana e torna possível o diálogo entre
os homens e os povos".
Bento 16 chama de "gramática"
transcendente o conjunto de regras
da ação individual e do recíproco relacionamento entre as pessoas de
acordo com a justiça e a solidariedade
inscrita nas consciências conforme o
sábio projeto de Deus.
A tarefa humana é respeitar a "gramática", realizar fielmente o projeto
universal divino. O reconhecimento e
o respeito pela lei natural constituem
a grande base para o diálogo entre os
crentes das diversas religiões e entre
estes e os não crentes.
"O dever de respeitar a dignidade
de cada ser humano, em cuja natureza se reflete a imagem do Criador,
tem como conseqüência não se poder
dispor da pessoa arbitrariamente."
O direito à vida e à livre expressão
da própria fé em Deus não está nas
mãos do homem. É importante conhecer claramente o que é disponível
e o que não é.
Não somente as mortes violentas
em conflitos entre nações, entre tribos, enfrentamentos políticos dentro
do próprio país, terrorismo e diversas
formas de violência devem nos impressionar mas também as mortes silenciosas provocadas pela fome, pelo
aborto, pelas pesquisas sobre embriões e pela eutanásia.
São atentados à paz. Se não há respeito à vida em seu início, como construir a paz duradoura sem criar ambiente de respeito à vida em todo o
seu decurso até o fim natural?
O desrespeito à liberdade religiosa
tem continuado. Isso é experimentado tanto por cristãos como por adeptos de outras religiões para professar
pública e livremente as próprias convicções religiosas.
"No caso particular dos cristãos,
devo ressaltar com tristeza que por
vezes não se limitam a criar-lhes impedimentos; em alguns Estados, são
mesmo perseguidos, tendo-se registrado ainda recentemente episódios
de atroz violência. Existem regimes
que impõem a todos uma única religião, enquanto regimes indiferentes
alimentam não uma perseguição violenta, mas um sistemático desprezo
cultural quanto às crenças religiosas." Isso não estimula a paz.
Temos a lamentar as inúmeras injustas desigualdades ainda tragicamente presentes no mundo: desigualdades no acesso a bens essenciais, como comida, água, casa, saúde;
contínuas desigualdades entre homem e mulher no exercício dos direitos humanos fundamentais; explorações de mulheres, tratadas como objetos e em numerosas formas de falta
de respeito pela sua dignidade.
Mas, nas nuvens carregadas, prenúncios de tempestades no relacionamento humano, há esperança de
um mundo melhor, se houver conversão do coração humano para a
verdade, a justiça, a fraternidade, a
solidariedade e a paz.
Depende de cada um de nós.
CARDEAL DOM GERALDO MAJELLA AGNELO, doutor
em teologia com especialização em liturgia, arcebispo de
Salvador (BA) e primaz do Brasil, é o presidente da CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
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