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Somos todos Amarildos

Estudantes, biólogo, dona de casa e ator usam nome do morador da Rocinha na ocupação da Câmara do Rio contra a CPI do Ônibus

FABIO BRISOLLA DO RIO

Há nove dias eles dormem em colchões espalhados entre as mesas usadas pelos vereadores, no plenário da Câmara Municipal do Rio.

No início eram 40, mas uma semana depois do início da ocupação contra a composição da CPI dos Ônibus, eles agora são nove. Há ainda um representante da Mídia Ninja, que transmite pela internet o que acontece lá dentro.

O grupo acampado é eclético: há dois alunos do curso de Relações Internacionais da PUC; um da Comunicação Social da mesma universidade; outro estudante de Educação Física da Uerj, um biólogo, uma dona de casa de Niterói e um ator com histórico de militância política.

Apresentaram-se com o nome de Amarildo e não se deixaram fotografar. "Somos todos Amarildos", dizem, em referência ao morador da Rocinha desaparecido.

A Folha passou a noite no acampamento improvisado no plenário da Casa e acompanhou a rotina do grupo do fim da tarde de quinta-feira até a manhã de ontem.

No acampamento montado no plenário, o saco de granola estava sobre a mesa de Eduardo Moura (PSC); na de Jeferson Moura (PSOL) havia um pote de iogurte grego, meio tomate, um pacote de pão de forma integral e sete quentinhas de alumínio com a identificação "arroz + feijão + farofa de aveia" doadas por restaurantes do centro. Há também uma sacola com tangerinas e galões de água.

A decisão de conversar com a Folha foi demorada, seguindo a dinâmica das votações do grupo. Quando um integrante aprovava o argumento de outro, indicava o apoio girando a palma da mão, com o braço erguido. O processo demorou três horas e 20 minutos. Dois integrantes se disseram desconfortáveis e não falaram.

"A força que me move é saber que as pessoas desse país têm mecanismos para transformar a nossa realidade", diz o estudante bolsista de relações internacionais da PUC-Rio, 25 anos, que se identifica como José Amarildo.

Ele foi à Câmara assistir à sessão de instalação da CPI, acompanhado pelo namorado, e o casal acabou acampando por lá.

"Vamos anular a CPI dos Ônibus", afirma o estudante de cinema da PUC que se apresenta como Pedro Amarildo, 24, namorado de José.

Como ontem não havia sessão no plenário, o grupo não foi acordado às 7h pelo pessoal da limpeza, como vem acontecendo. Antônio Amarildo, 24, estudante de educação física da Uerj, aproveitou para dormir até as 9h30.

"Não tenho vínculo com nenhum partido. Sou anarquista", ele diz.

Única mulher do grupo, a dona de casa Lúcia Amarildo, 57, costuma ficar no portão conversando com os manifestantes da Cinelândia, os simpatizantes que passam para prestar apoio e também com sua filha, de 26 anos.

Lúcia, que é filha de um médico perseguido pelo regime militar, mora em Niterói. Dormindo no chão há nove dias, às vezes se aborrece com as longas reuniões. "Quem produziu esse folheto?", perguntou ela, em tom indignado. O tal impresso listava as reivindicações do grupo e tinha, no canto de uma página, uma ilustração com um homem mascarado usando um coquetel molotov.

"É inaceitável que associem o nosso texto a uma imagem dessas", disse Lucia, com lágrimas nos olhos.

Segundo os colegas de plenário, o folheto havia sido produzido por manifestantes acampados na Cinelândia.

Para chegar ao banheiro, era preciso sair do plenário e entrar numa sala vizinha, sempre ocupada por policiais militares. Na quinta-feira, eram mais de 20 policiais, que de vez em quando abriam as portas da sala para monitorar a movimentação dos manifestantes, que têm liberdade para andar pelo primeiro pavimento do prédio.

Durante a noite, o grupo que está dentro da Câmara e o que está fora têm a oportunidade de conversar de forma mais descontraída através dos portões de ferro. Na noite de quinta-feira havia uma roda de samba do lado de fora. Em coro, os manifestantes cantaram o refrão: "Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão".

A apresentação foi transmitida ao vivo por um integrante da Midia Ninja, que acompanha de perto a movimentação do grupo desde o início da ocupação.

"Estou aqui há três dias. Vim render um amigo. Deixei o Ocupa Cabral [no Leblon, na zona sul] e vim pra cá", afirmou o rapaz, que preferiu não ser identificado.


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