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Questões de Ordem

MARCELO COELHO - coelhofsp@uol.com.br

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

O tempo de Minerva

Silencioso até aqui, Gilmar Mendes lavou a alma. O objetivo era levar o suspense até a sessão seguinte

No início da sessão de ontem do STF, a ministra Cármen Lúcia encontrou, por assim dizer, a chave para sair da ratoeira argumentativa armada por Luís Roberto Barroso e outros defensores de mais recursos para o mensalão.

A possibilidade de prolongar-se o julgamento, admitidos os embargos infringentes, implicaria uma incoerência geral no sistema, sugeriu Cármen Lúcia. A lei já revogou, expressamente, esse tipo de recursos nos processos que correm no STJ --o Superior Tribunal de Justiça.

Se aceitarmos que eles valem no Supremo Tribunal Federal, o STF, teríamos uma possibilidade insólita. Determinado réu, acusado de determinado crime, em idênticas circunstâncias, teria direito a recurso num tribunal e deixaria de tê-lo em outro.

Estaria ferido, desse modo, o princípio constitucional da isonomia. O direito processual não pode ser diferente, conforme o tribunal que julga... Logo, os réus do mensalão não têm mais como recorrer.

O raciocínio era simples, e os amplos argumentos de Lewandowski, logo em seguida, não chegaram a refutá-lo. Sem inovar muito frente ao que já haviam dito Rosa Weber, Barroso, Teori e Toffoli, Lewandowski trouxe novas doses de eloquência, e de alguma perfídia, ao que já se sabia.

A perfídia foi citar algumas opiniões anteriores, proferidas pelo maior enigma daquela tarde, o ministro Celso de Mello, em apoio à tese da defesa. Sem prejuízo, é claro, da possibilidade de que ele venha a mudar de opinião, continuou Lewandowski nos rapapés de praxe.

Nada disso importava na intervenção de Gilmar Mendes. O piano ritmado e seco de Cármen Lúcia foi substituído pelos trombones, pelos clarins, pelos tambores, pela orquestra inteira de Gilmar.

Ele também começou se referindo ao silencioso Celso de Mello. Escolheu os trechos mais pesados do voto do colega: aqueles em que os responsáveis pelo mensalão eram acusados do crime de atentar contra a democracia, vilipendiar a paz pública, enfim, tudo o que pudesse haver de mais grave.

Irão dizer, agora, que o escândalo talvez não seja o maior da história, dadas as dimensões do dinheiro desviado? Gilmar alvejava Luís Roberto Barroso. E dirão que foi exagerada a pena para o crime de quadrilha?

É essa a pena, aliás, que os embargos infringentes pretendiam eliminar. Mas, perguntava Gilmar, nós não condenamos Natan Donadon a dois anos e três meses? A pena aproximava-se do máximo previsto em lei.

Vamos agora dizer que houve exagero no caso do mensalão? Gilmar se inflamava. Então teríamos de remeter o caso Donadon para algum JUIZADO DE PEQUENAS CAUSAS!

Depois da abertura estentórea, veio um adágio substancioso. Gilmar Mendes repassou pilhas de jurisprudência, com mais detalhe do que fizera Luiz Fux, para mostrar o mesmo: que o Supremo vinha sistematicamente negando a admissão de embargos infringentes, em todos os tipos de ação judicial.

O casuísmo seria aceitar isso agora. Gilmar prosseguia: é evidente, ademais, que a nova lei de processo penal não se daria ao trabalho de explicitar um pequeno ponto do regimento interno do STF. Esse ponto, o artigo 333, é que previa a possibilidade dos embargos. Estranho seria uma lei, votada pelo Congresso, dedicar-se a negar expressamente um texto a que é, por natureza, superior.

Dito, provado, repassado, rememorado todo um histórico de decisões contrárias aos embargos em outros tipos de ação, restou ainda a Gilmar Mendes o argumento prático. O processo, disse ele citando uma frase de Rosa Weber, tem de andar para a frente.

Este, entretanto, anda em círculos! Admitindo os infringentes, virão em seguida os embargos de declaração aos infringentes. A revisão penal! Os embargos da revisão! Os embargos dos embargos!

Não há sentido nos infringentes, ademais, se pretendem a revisão, pelo mesmo órgão, de uma decisão já tomada. Ou seriam inúteis, porque a corte não mudará de opinião, ou então uma simples aposta, baseada no acidente de que os membros do tribunal tenham mudado ao longo do tempo.

Era bem esse caso. Mas, prosseguiu Gilmar, se o que se quer é uma reconsideração, um exame de novo dos mesmos fatos e das mesmas provas, por que se exige um mínimo de quatro votos para fazer isso? Por que não três? Por que não dois? POR QUE NÃO ZERO?

Ah, rugia o ministro, é porque seremos um tribunal juvenil, inexperiente... Como se ao longo de mais de cinquenta sessões não tivesse havido tempo para cada ministro rever seus votos?

Silencioso durante tantas sessões, Gilmar lavou a alma. Pelo placar previsto, caberia a Celso de Mello a complicadíssima tarefa de costurar e recosturar um voto de Minerva.

Antes disso, Marco Aurélio tinha a palavra. Foi irônico, longo, digressivo. Mas o seu argumento principal era o mesmo: o sistema não fecha. Se aceitarmos embargos no STF, e se no outro tribunal superior, o STJ, este tipo de recurso já foi extinto.

Por que haver recursos aqui e não no STJ? Ele brincou: vai ver que somos menos experientes, mais capazes de equívoco... Mas Gilmar ia longe na conversa, recomendando aos alunos de direito que lessem romances, questionando a necessidade de haver governador do Distrito Federal etc. etc.

Será que estava dando tempo para Celso de Mello repolir e aperfeiçoar seu voto? Gilmar Mendes ajudou, com novas indignações. O tempo passava. Barroso esboçou uma polêmica. Voltou a falar em casuísmo na rejeição dos embargos. Marco Aurélio continuou a provocá-lo: "o novato" critica o tribunal... Vieram os suaves esclarecimentos de Barroso. O objetivo, claramente, era deixar o suspense até a sessão seguinte.


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