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Meu filho fugiu

Pai lamenta sumiço de Henrique Pizzolato, que só avisou uma irmã do plano de fugir para a Itália e assim escapar da prisão

LAURA CAPRIGLIONE ENVIADA ESPECIAL A CONCÓRDIA (SC)

Pedro Pizzolato, 85, está exausto. Cabelos branquíssimos, forte sotaque italiano, aparenta verdadeira timidez ao confessar que tem precisado recorrer a tranquilizantes "tarja preta" desde o anúncio da fuga do filho, Henrique Pizzolato, 61, no último dia 16.

Filho querido entre uma prole de dez, o ex-diretor do Banco do Brasil, condenado a uma pena de 12 anos e sete meses de prisão por seu envolvimento com o esquema do mensalão, partiu para a Itália sem avisar o pai. Só uma irmã conheceu o plano antes.

Uma outra irmã, ao saber da fuga quando ela já se havia consumado, comemorou gritando, conforme contou Pedro. Segundo ele, a filha disse-lhe que enfim o irmão teria garantido o direito a uma segunda instância ""desta feita na Justiça italiana. Henrique Pizzolato não teve acesso a essa segunda apreciação do seu caso, por ter sido "promovido" de cara para o Supremo Tribunal Federal, como aconteceu com José Dirceu e José Genoino, altos dirigentes do PT.

Para Pedro, o pai, é como se tivesse perdido o filho para sempre. Idoso, ele não anda de avião desde que, há 20 anos, um monomotor em que viajava despencou centenas de metros no céu. Fobia. De navio, acha que não aguenta viajar.

Professor aposentado das primeiras séries do ensino em escolas rurais, Pedro Pizzolato já experimentou perdas dolorosas. A mãe de Henrique, primeira mulher, morreu. Um câncer de pâncreas levou-lhe a segunda. E houve o acidente de trânsito que matou o filho Gilnei José, em 1998.

Pedro vive em semi-reclusão desde a fuga do filho. Toda hora, jornalistas telefonam-lhe em casa, ou tocam o interfone no prédio em que vive, no centro de Concórdia, 433 km de Florianópolis. Ele finge que não está.

E téééééééé! Mais um repórter toca a campainha.

Ontem, Pedro escondia-se no Sítio do Neto, propriedade familiar de oito hectares de extensão na comunidade rural conhecida por Engenho Velho, a 12 km do centro de Concórdia, onde se plantam feijão, milho e bananas. Foi lá que se criaram Henrique Pizzolato e os irmãos.

Um amigo da família visitou Pedro ontem e encontrou-o abatido, em bermudas brancas, acompanhado da cuidadora Irene, descendente de poloneses que o protege dos intrusos como uma leoa. ("Ele não vai falar com você", garantiu ela à Folha na véspera, voz firme sotaque puxando o erre).

Pedro e Irene estavam sentados debaixo de um caramanchão decorado com bouganvilles brancas, cor-de-rosa e vermelhas. Ao lado, um tanque de carpas habitado por uns poucos filhotes.

Recém-convertido em leitor atento de notícias na internet, apesar da idade, Pedro está convencido da inocência do filho Henrique, que (ele conta) chegou a estudar para ser padre. O pai também fez seminário. Uma irmã de Henrique acabou consagrando-se freira. Morou em um convento na Hungria e, hoje, vive em Atibaia (SP).

Pedro foi professor de francês de um outro filho famoso de Concórdia, o teólogo Leonardo Boff, expoente da Teologia da Libertação. Ele ensinava francês ao jovem Boff em troca de aulas de contabilidade, ministradas pelo pai do teólogo, Mansueto.

Pedro e Henrique, conta-se na cidade, eram muito apegados. Mesmo depois que o filho partiu para São Leopoldo (RS), para estudar arquitetura e urbanismo na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), e entrou na militância de esquerda. O pai, na mesma época havia se aproximado do PDS, o Partido Democrático e Social, de direita, que servia de apoio ao Regime Militar.

Ao amigo que o visitou ontem no Sítio do Neto, Pedro Pizzolato lembrou-se do filho Henrique percorrendo a cavalo as margens do rio Uruguai, durante a campanha de filiação para legalizar o Partido dos Trabalhadores, no início dos anos 80, enquanto ele mesmo ocupava cargos em três administrações sucessivas do PDS na cidade (ligadas a ruralistas e à Sadia, que tem sede ali).

Pedro Pizzolato não deixou de reclamar pelo tanto de sofrimento que o filho passou em prol da construção do PT, comparando esse sofrimento ao pouco --aos olhos dele-- envolvimento da cúpula partidária na defesa dos acusados no processo do mensalão. Aliás, fruto desse trabalho, é um petista, João Girardi, quem hoje está à frente da Prefeitura de Concórdia.

Sobre o vínculo de Henrique com a Itália, país em que hoje ele estaria escondido, Pedro se apressou a dizer que seu próprio pai era italiano, tendo lutado na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) pelo país que o condecorou depois de ele levar um tiro na coxa. Ao amigo, Pedro confidenciou que ia com o pai pegar letras de câmbio que a Itália lhe enviava por seus atos de bravura durante a guerra, mesmo depois de a família migrar para o Brasil.

O filho mais bem-sucedido de Pedro era pródigo em presentes para a família, o pai se lembrou. Sempre que visitava os parentes em Concórdia, deixava envelopes com R$ 500 para o pai, a madrasta e os irmãos. Ele comprou o enxoval de Gilnei José, o irmão morto no acidente. Construiu a varanda da casa do sítio.

Descrente na Justiça do Brasil, o pai torce pela absolvição do filho na Itália. Mas lamenta que talvez não consiga nunca mais abraçá-lo.


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