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Ricardo Melo

Haddad e a 'coletivização' forçada

O petista mostrava-se mais à vontade em Brasília, como tecnocrata cheio de predicados acadêmicos

Diz-se que errar é humano e insistir no erro é burrice. Pode-se acrescentar: tentar transformar o erro em virtude é suicídio, pelo menos na política. O petista Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, parece disposto a trilhar o caminho até o fim.

Haddad mostrava-se visivelmente mais à vontade em Brasília, como tecnocrata cheio de predicados acadêmicos. Descontados os solavancos do Enem, é inegável que, no atacado, sua atuação no MEC foi positiva.

Agora, no entanto, Haddad é mais que isso. Pelo jeito, a ficha não caiu. É o que se depreende do resumo que faz do primeiro ano de gestão: "Você toma uma medida dura, necessária, impopular, e tem de saber as consequências", diz o prefeito. "Não me arrependi de nenhuma."

Salvo a campanha de vacinação de Oswaldo Cruz ou coisa parecida, não se devia falar, em política social, em medida ao mesmo tempo dura, necessária e impopular, ao menos quanto a seus benefícios. Algumas providências podem ser duras para ricos, necessárias para favorecer a maioria --e, portanto, populares em seus efeitos. As combinações são múltiplas, dependendo para quem o eleito governe e de como explique suas decisões.

Exemplo: impostos ajudam a reduzir abismos sociais. Mas graças à condução imperial e desastrosa, a mudança no IPTU em São Paulo, em vez de boa causa, virou o seu contrário. Haddad fez aprovar o aumento numa sessão polêmica, duvidosa quanto aos procedimentos e sorrateira no horário de execução. Só quando a vaca avistou o brejo do Judiciário o prefeito resolveu defender o imposto. Os embates Erundina-Mario Amato já evidenciaram que é mais fácil implantar outras coisas na cabeça da Fiesp do que provar que Jardins e Itaquera são diferentes.

Veja-se ainda o trânsito. Vivemos no mundo em que congestionamento foi promovido a "problema de mobilidade" e carros, ônibus, metrô e trens ganharam status de "modais de locomoção". Fora da linguagem dos seminários, uma coisa é fato: transporte público nunca foi prioridade por aqui. E até um guarda de trânsito percebe que não basta tinta na caneta ou cal no asfalto para mudar esse quadro do dia para noite.

O prefeito age diferente. "Todos para os coletivos", decretou, numa espécie de paródia da coletivização forçada. Naquela, Stálin decidiu acabar à força com as pequenas propriedades no campo em proveito de fazendas coletivas, quando não havia condições materiais para isso. O resultado: espalhou a fome, jogou pobres contra pobres e matou milhões. Nas devidas proporções, o paralelo é sobretudo de método, não de resultado: como mandar todos para os coletivos se não há coletivos para todos? Tente imaginar 20%, 30% dos que andam de carros migrando repentinamente para os pontos de ônibus ou estações de trem e metrô já abarrotadas. Mudaria o congestionamento de lugar.

Fazer a coisa certa implica confrontar tanto a máfia do transporte coletivo como o cartel que transformou metrô, trens e afins em "modais de corrupção". A primeira maneja as linhas de ônibus ao bel prazer; pouco se lixa para a qualidade e quantidade dos serviços. Já o cartel usa dinheiro do povo para irrigar campanhas emplumadas. Duetos em Paris não apagam a realidade de que esses são os verdadeiros adversários ­--não o sujeito que comprou um carro a perder de vista, incentivado pelo partido do prefeito.

A população de São Paulo dá sinais cada vez mais frequentes de irritação e impaciência. Não há uma semana em que não ocorram reintegrações de posse selvagens, sem que o governo municipal adote providências humanitárias. Tomada pelo enfado e paralisia, a prefeitura mal consegue explorar feitos como o desmantelamento da quadrilha de fiscais. Em vez do tubaronato que encheu o bolso corrompendo servidores, a maior baixa até agora foi do homem forte da administração que abriu a tampa do bueiro. Como Haddad não admite ter errado em nada, salve-se quem puder na temporada de enchentes.


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