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Entrevista da 2ª - Luiz Alberto Figueiredo

Defendemos diálogo com os opositores na Venezuela

CHANCELER BRASILEIRO AFIRMA, PORÉM, QUE O PRESIDENTE NICOLÁS MADURO 'NÃO PRECISA DE RECADOS' SOBRE COMO LIDAR COM CRISE POLÍTICA

ELIANE CANTANHÊDE COLUNISTA DA FOLHA

O chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, defendeu que o presidente Nicolás Maduro abra o diálogo com a oposição e os manifestantes na Venezuela, onde protestos já deixaram 18 mortos.

"O presidente Maduro não precisa de recados", ressalvou Figueiredo, justamente quando mandava dois recados incluídos com excesso de cuidado na nota do Mercosul: o do diálogo e o da condenação à violência "de onde quer que venha" --ou seja, inclusive do governo.

Com cautela tipicamente diplomática, ele usou várias vezes a palavra "não" para se opor às críticas à política externa do governo Dilma Rousseff, mas reconheceu que o Itamaraty não decide a ida da presidente a Washington, nem questões como médicos cubanos, extradição do foragido do mensalão Henrique Pizzolato e asilo ao ex-senador boliviano Roger Molina.

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Folha - Há muitas críticas de que a diplomacia perdeu força de Lula para Dilma. Ela tem algum preconceito contra a política externa?
Luiz Alberto Figueiredo - Absolutamente, muito pelo contrário. A presidente Dilma frequentemente discute comigo temas de política externa e está muito bem informada. Isso é um mito que se desenvolveu não sei como, já que o interesse da presidente é muito grande. Logo que tomei posse, ela usou uma frase dizendo que o Itamaraty estava fazendo muita diplomacia e pouca política externa.

Para o leigo, ela queria menos fru-fru e mais consequência?
Eu não poria assim. A mensagem que eu entendi foi menos reação e mais ação.

Um dos focos das críticas foi a sua ausência na reunião Genebra 2, sobre Síria. Por que o Brasil desdenhou participar?
Não é verdade. Por que não fui? Porque não era uma reunião conclusiva, e a presença seria só simbólica. Tenho mantido conversas com o facilitador na ONU [para o conflito sírio], Lakhdar Brahimi.

A Rússia, que é dos Brics, tem tido posições bem particulares no caso da Síria, de Edward Snowden, e agora é o pivô na crise da Ucrânia. Como o Brasil vê essas posições?
A Rússia teve papel fundamental ao conseguir obter uma solução para a destruição do arsenal químico sírio e, por ter uma posição firme no Conselho de Segurança da ONU, evitou também a possibilidade de uma intervenção armada numa hora em que isso agravaria o drama humanitário. A Ucrânia era parte da União Soviética, a Rússia tem a base naval de Sebastopol, na Crimeia, e a Ucrânia tem uma importante população de origem étnica russa, que ainda hoje fala russo. É uma questão de complexidade internacional. Esperamos que o povo ucraniano chegue a uma solução. No mais, não posso especular.

O chefe do Legislativo do Irã, Ali Larijani, disse a parlamentares que o país quer reverter o declínio da relação com o Brasil. A aproximação foi no governo Lula e passou?
Posso adiantar que não há um esfriamento das relações. Tive uma reunião em Nova York com o chanceler [Mohamad Javad] Zarif, que é um velho amigo de ONU, em que combinamos uma ida minha a Teerã. Só falta marcar a data, e não será uma visita apenas de cortesia, pois buscará resultados práticos.

Por que o Brasil está mudo diante da crise na Venezuela?
Ao contrário. Não estamos mudos, nos manifestamos por três notas: do Mercosul, da Unasul e da Celac.

Todas em conjunto, mas o sr., por exemplo, não se posicionou realmente a respeito.
Não há necessidade. A presidente deu declarações em Bruxelas, eu dei quando o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido [William Hague] veio aqui, e as três manifestações em bloco tornam a nossa mensagem bastante clara.

A nota do Mercosul não foi alvo de críticas por manifestar apoio excessivo a Maduro?
Não é verdade. A nota do Mercosul foi mal compreendida e até cito aqui um trecho que diz que os países "repudiam todo tipo de violência e intolerância [...], qualquer que seja a origem". Isso não me parece que seja, como li em algumas partes, responsabilizar os manifestantes pela violência. O que diz o Mercosul é que "qualquer que seja a origem", a violência é condenada e repudiada. E o parágrafo seguinte insta as partes ao diálogo.

Então a nota foi uma crítica e um recado ao Maduro?
O presidente Maduro não precisa de recados. Isso não é um recado, é uma reafirmação do Mercosul quanto à importância de que todas as questões sejam tratadas dentro de um marco democrático. Ninguém diz que há uma culpa específica. Aliás, nós lemos que agentes do Estado estão sendo presos na Venezuela, acusados de mortes de manifestantes.

Mas nós também lemos que um legítimo líder de oposição foi preso e isso não está no Protocolo de Ushuaia.
Sim, mas não me cabe comentar uma ordem judicial de outro país. É um princípio basilar da política externa brasileira a não-interferência em assuntos internos.

A Venezuela e os EUA expulsaram reciprocamente seus diplomatas. Com Lula, o Brasil atuava meio como mediador. E agora?
O Brasil atuava e atua, mas não necessariamente abertamente. Muitas coisas se obtêm em diplomacia sem que elas cheguem a público, até porque, se chegarem, não terão resultado.

É por isso que o chanceler venezuelano decidiu vir para uma conversa olho no olho?
Ele pediu para vir para explicar a situação interna e as medidas que o governo vem tomando para a facilitação do diálogo político no país. O Brasil defende esse diálogo.

Por que os sucessivos adiamentos da cúpula do Mercosul e, até agora, nada?
A presidente Cristina Kirchner [Argentina] passou por intervenção cirúrgica e depois foi difícil compatibilizar as agendas de cinco presidentes. Não significa que o Mercosul esteja parado, ao contrário.

Por que a presidente Dilma cancelou a ida a Bruxelas e depois voltou atrás?
A presidente queria ir com resultados palpáveis, não para uma reunião de mera cordialidade. Quando viu que, de fato, era possível dizer aos europeus que estávamos muito próximos de um acordo Mercosul-UE, ela confirmou a ida.

A Argentina, por não concluir sua lista de ofertas, estava atrasando o cronograma?
A Argentina tem sido extremamente partícipe do processo. Nós, do Mercosul, estamos em fase de compatibilização das ofertas. Vamos fazer reunião dia 7, em Montevidéu, e estou plenamente convencido de que estará tudo pronto no fim de março.

O que vai ocorrer com o senador boliviano Roger Molina, asilado no Brasil?
O Conare [Comitê Nacional para os Refugiados] está examinando o caso, e eu acompanho com interesse, mas vamos ver.

Qual o papel do Itamaraty no caso Henrique Pizzolato?
Ao Itamaraty cabe encaminhar o pedido de extradição às autoridades italianas, coisa que já fizemos.

Depois do discurso de Obama e da ida do sr. ao Departamento de Estado, o que falta para a presidente Dilma ir aos EUA?
Não comentarei tratativas desse tema. A presidente tratou do assunto [do monitoramento] com o presidente Obama e na ONU, enquanto estamos tomando iniciativas, como a resolução da Assembleia Geral, feita pelo Brasil e pela Alemanha, sobre o direito à privacidade na era digital. E vamos ter, em abril, em São Paulo, uma conferência multissetorial, com governos, empresas e representantes de vários setores, sobre governança na internet.

Por que o Brasil não concede asilo a Edward Snowden?
Nunca foi pedido esse asilo. Houve uma circular de uma ONG para vários países pedindo asilo para ele. Não dissemos não. Nem sequer sabíamos se o pedido da ONG partia dele. Numa conversa com a embaixadora [dos EUA no Brasil, Liliana Ayalde], o assunto surgiu e eu disse: "Olha, o caso não se coloca. Não tivemos nenhum pedido de asilo e, portanto, não vamos considerar".

O Brasil tem condições de pagar em torno de R$ 55 mil por mês de aluguel só para um dos dois embaixadores em Nova York? E para quê?
A residência do embaixador em Nova York é um próprio nacional e a do embaixador alterno, essa sim, é alugada e não tem nada de suntuoso. Porém, os preços em Nova York são muito salgados. Ele teve dificuldade em encontrar um imóvel perto da ONU, porque eram muito caros, e foi para o outro lado da cidade. Lá, as celebridades moram na ilha inteira. Quando jovem, morei lá num apartamento modesto de dois quartos e vivia no mesmo prédio o [ator] Anthony Quinn.


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