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Entrevista da 2ª Mikhail Saakashvili

A União Soviética ainda é uma forma de pensar

Presidente da ex-República Soviética da Geórgia prega uma revolução mental na região e critica eleições na Rússia

Irakly Gedenidze/Efe
O presidente da Geórgia acompanha exercícios militares em 2009
O presidente da Geórgia acompanha exercícios militares em 2009

FABIANO MAISONNAVE
DO ENVIADO ESPECIAL A TBILISI

Romper com o passado tem sido a prioridade do presidente pró-Ocidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili.

A União Soviética, diz, "é uma forma de pensar" ainda hegemônica na região mesmo passados 20 anos.

Sobretudo na Rússia, país para o qual perdeu uma guerra em 2008.

Lá, segundo o presidente da ex-república soviética localizada no Cáucaso, a "política desapareceu da esfera pública".

A Rússia tem registrado protestos após eleições parlamentares em que há suspeita de fraude.

Para Saakashvili, trata-se de uma questão de geração. Ele completa 44 anos nesta semana. Tinha apenas 36 quando assumiu o poder, em 2004.

Ainda assim, está entre os mais velhos de seu governo -nomeou um ministro da Economia de 27 anos.

Nesta entrevista à Folha, concedida por telefone, ele diz que seu país está dividido por um novo Muro de Berlim e explica por que o seu governo é formado por jovens educados no Ocidente.

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Folha - Sob a sua Presidência, a Geórgia se afastou do período soviético, mas seguem duas áreas em disputa com a Rússia, com uma solução muito difícil no curto prazo. Qual o balanço dos primeiros 20 anos de independência?

Mikhail Saakashvili - O que realmente aconteceu na Geórgia foi uma revolução mental. A União Soviética é também uma forma de pensar. Caiu 20 anos atrás, mas a realidade é que na maioria das áreas soviéticas essa mentalidade continuou.

A Geórgia é a única exceção, além dos três países bálticos [Lituânia, Letônia e Estônia], que removeram a mentalidade soviética.

Acho que nos ajudou o fato de a Geórgia estar tão destruída após o fim da União Soviética. Tivemos de atravessar guerra civil, intervenção militar, de certa forma tivemos de reconstruir do zero. Isso nos ajudou.

As reformas que fizemos foram elementos decisivos para isso, mas nós temos duas áreas sob o controle russo [Abkházia e Ossétia do Sul].

E, obviamente, o que eles estão fazendo no solo georgiano sob seu controle é muito parecido ao que era o Muro de Berlim na Guerra Fria, quando você tinha áreas divididas pela parede, mas também duas mentalidades, dois sistemas políticos e econômicos.

Mas não acho que tenha uma vida longa, porque no final a União Soviética vai partir universalmente.

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Por que o sr. nomeou apenas jovens para o governo?

Foi natural porque os que queriam as reformas eram os jovens. Também foram os jovens que tiveram educação ocidental.

Basicamente, todos os membros do Parlamento e do governo estudaram em universidades na Europa e na América. Como disse, a nova geração tem uma outra forma de pensar.

Nós também criamos muitos problemas para nós quando éramos membros da CEI [Comunidade dos Estados Independentes, substituta da URSS].

Porque eu enviava, por exemplo, uma chefe de polícia de 27 anos, uma mulher cercada apenas de homens de 50 ou 60 anos, antigos chefes da KGB e da polícia soviética. E obviamente não havia muito o que discutir.

Nós tivemos um ministro da Economia com 27 anos que era colocado na companhia de burocratas da era soviética. Portanto, havia muitos mal-entendidos. Quando saímos da CEI [em 2008], deixamos de ter esse problema.

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Por que a União Europeia e a Otan são as prioridades da sua diplomacia?

Acabo de chegar da cúpula europeia em Marselha, e o presidente [francês, Nicolas] Sarkozy falou da necessidade de aceitar a Geórgia na União Europeia. Nós nunca havíamos escutado.

Nunca havíamos ouvido um grande líder europeu falar isso antes.

Portanto, é uma grande mudança. É também um tema cultural.

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Por que estar na Otan é tão importante?

Somos um país pequeno, estamos num ambiente geopolítico muito difícil, precisamos sobreviver. Por outro lado, precisamos estar em algum lugar. Já não somos membros da CEI.

Por isso, a Otan e a UE são as coisas mais próximas que vêm à cabeça. Em qualquer pesquisa de opinião, a Otan tem apoio de 80% aqui.

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Putin está sob pressão por causa das manifestações no país e pela perda de força nas eleições legislativas. Como o sr. vê o resultado e o que ele representa para a Geórgia?

Eu não penso que houve eleições, acho que é um processo no qual a política finalmente desapareceu da esfera pública russa. Mas não é uma coisa natural, a Rússia tem um povo bem educado, que viaja bastante, tem uma forte classe média e quer ser livre, não quer ser oprimida.

Acho que é um processo natural e universal. Não se pode manter essa situação em que basicamente não há debate real, não há escolha política. É uma situação totalmente artificial. Talvez os países possam manter isso num estado de guerra, mas o país não está num estado de guerra com ninguém.

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O Brasil vem tentando um maior papel maior nas relações internacionais, e uma de suas principais ações é a consolidação dos Brics, do qual a Rússia faz parte. Como o senhor avalia esse bloco?

Para nós, a Rússia é claramente uma força negativa, sem dúvida nenhuma. Mas nós também entendemos que é um país grande, portanto as pessoas têm de lidar com eles, especialmente em política mundial.

Temos uma relação muito boa com o Brasil em todos os níveis internacionais. O Brasil se tornará cada vez mais uma potência mundial porque tem uma democracia forte e eficiente e porque tem boas intenções.

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A Rússia vem dizendo que não negociará a Ossétia do Sul e a Abkházia no seu governo. Recentemente, os dois países chegaram a um acordo para a entrada de Moscou na OMC (Organização Mundial do Comércio). É um sinal de melhoria nas relações?

Não. O que realmente demonstra é que havia um interesse muito forte e pragmático da Rússia para fazê-lo.

Durante as negociações, em nenhum momento defenderam a chamada independência da Ossétia do Sul e da Abkházia.

Eles sabem que os ossetianos do sul representam menos de 10 mil pessoas. A população da Abkházia é 20% da que era antes da guerra. É basicamente uma área vazia, sem população, com muito pouca importância para a Rússia, a não ser para demonstrar que eles são fortes nessa região.

Parece que qualquer líder de uma Geórgia independente será um problema para eles. Mas eu me tornei um problema maior porque a Geórgia tem implantado reformas bem-sucedidas.

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