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Entrevista da 2ª - Edemir Pinto

Petrobras decepcionou e afastou investidor da Bolsa

Para presidente da BM&Fbovespa, intervenções do governo frustraram quem investiu em ações e prejudicaram mercado

CAROLINA MATOS DE SÃO PAULO ANA ESTELA DE SOUSA PINTO EDITORA DE "MERCADO"

Amargando uma queda de 3,38% neste ano e 11,18% em 12 meses do seu principal índice acionário --o Ibovespa--, a Bolsa brasileira enfrenta dificuldades para atrair o pequeno investidor.

A meta, divulgada em 2009, era terminar 2014 com 5 milhões de pessoas físicas. Até agora, porém, o número não passa de 600 mil.

As várias perdas de valor das ações da Petrobras são apontadas como um dos motivos por Edemir Pinto, diretor-presidente da BM&FBovespa, em entrevista à Folha.

Os papéis da estatal estão nas mãos de até 70% dos pequenos investidores e os tombos da empresa têm assustado esses aplicadores e enfraquecido o elo que eles começavam a criar com a Bolsa.

A política do governo para o setor elétrico trouxe outra frustração: ações das elétricas eram muito procuradas por pequenos investidores, porque pagavam dividendos (distribuição de lucros), que acabaram minguando.

Outro motivo, diz, é a economia brasileira. Mas, na avaliação do executivo, o país e o mercado de capitais vão "decolar" no longo prazo, independentemente de quem vença as eleições deste ano.

Apostando na retomada, a Bolsa tem investido --cerca de US$ 1,5 bilhão desde 2009-- em tecnologia para aumentar o processamento e reduzir custos.

Pinto espera iniciar em junho a integração dos quatro sistemas que garantem o cumprimento dos compromissos de compra e venda assumidos pelos investidores, as chamadas "clearings".

A economia prevista é de R$ 500 milhões ao dia em custos de transações --cerca de 10% do total. Um novo sistema de avaliação de risco que passará a rodar também em junho reduzirá o custo dos investidores com garantias.

Pinto falou ainda sobre o corte recente da nota do Brasil pela agência internacional de classificação de risco Standard & Poor's, mas não quis comentar o rebaixamento de 13 empresas do setor financeiro. A Bolsa não foi rebaixada, mas sua avaliação é mantida em perspectiva negativa.

Folha - Havia em 2009 uma meta de trazer para a Bolsa, até o fim de 2014, 5 milhões de pessoas físicas, que não foi cumprida. O que aconteceu?
Edemir Pinto - Saímos da crise de 2008 com um Brasil que era o queridinho do mundo. O período do governo Lula foi fabuloso para o mercado de capitais. O Brasil tinha 0,3% de participação de pessoa física diretamente em Bolsa, e países vizinhos tinham 5%, 6%, 7%. Achávamos que íamos conseguir com facilidade.
Mas o crescimento da economia decepcionou, e o aumento da renda per capita era fundamental para que os aplicadores reservassem parte dessa poupança para investir em ações.

Mas a renda média continuou aumentando...
Só que a renda per capita não tanto, e apostávamos muito no crescimento, para a Bolsa, das classes A e B, em que a renda cresceu menos. Nosso foco era priorizar esse segmento, que já tinha uma certa renda e, parte dele, uma visão de investimento em mercado de capitais.
Mas, fora o crescimento que não veio no país, tivemos algumas ocorrências no mercado que atrapalharam a entrada da classe AB.

Quais?
Dos 600 mil investidores que estão na Bolsa, 60%, 70% têm ações da Petrobras. É um papel que serve de alavanca para outros. Muitos trabalhadores usaram o fundo de garantia para aplicar em Petrobras, por incentivo do próprio governo, o que foi ótimo para a Bolsa, pois trouxe para cá pessoas físicas.
O que aconteceu com a Petrobras de 2010 até hoje é desanimador. O pequeno investidor que tem R$ 100 mil, R$ 200 mil investidos e vê esse patrimônio cair 50%, 60% fica completamente frustrado com o mercado de ações.
A Petrobras acabou sendo um elo muito ruim para a atração da pessoa física.

E agora, quando devem chegar aos 5 milhões?
A meta era 2018. Mas passamos a ter que olhar ano a ano, e provavelmente vamos ter que rever essa data.

O sr. está achando, então, que até 2018 a Petrobras sai do buraco?
Não só a Petrobras, mas as outras questões do país se destravam todas.
Porque o Brasil chegou a um fundo de poço em relação a confiança e credibilidade. Daqui é só recuperação.

Na crise de 2008, sempre falávamos no fundo do poço dos outros países, mas não se sabia onde ele estava. Acha que chegamos mesmo ao fundo?
Sim. Veja o que aconteceu com a nota de risco do Brasil. O mercado, que se antecipa muito, já tinha embutido nos preços o rebaixamento.
Então, o fundo do poço realmente já veio: essa precificação do rebaixamento da nota era o pior que poderia acontecer, principalmente para o mercado de capitais, já que hoje ele depende muito do grande investidor, que tem de seguir regras --e uma delas é o grau de investimento dos países [chancela de bom pagador]. No passado, eles eram 20% do volume da Bolsa. Hoje, são 56%.

Há uma avaliação de que os investidores estrangeiros sentem falta de mais clareza sobre a política do governo. Concorda?
Sim. E é aí que são esperadas atitudes mais claras.

Uma parte das medidas do governo para controlar a inflação é segurar preços administrados: tarifas de luz, valor do combustível. O sr. vê nos estrangeiros uma preocupação com essa intervenção?
Nenhuma intervenção é bem-vista. Agora, intervenção em companhia listada em Bolsa, das quais o governo não é o único dono, é mais complicado, incompreensível até.
A pessoa física que está na Bolsa olha não tanto a valorização da ação em si, mas os dividendos [parte do lucro distribuída aos acionistas].

O setor elétrico era a coqueluche do mercado, com muitos investidores pessoas físicas. E o que aconteceu? Uma mudança radical.
Outra coisa que dificultou a vinda das pessoas físicas foi o baixo nível de IPOs [lançamentos de ações, na sigla em inglês]. Houve três grandes operações nos últimos anos: a megacapitalização da Petrobras em outubro de 2010, a do Santander e a da BB Seguridade, em 2013.

No cenário atual, imaginar uma retomada dos lançamentos de ações fica difícil, não?
2014 está difícil, não só pelo contexto de que falamos, mas, principalmente, por ser ano de eleição e Copa do Mundo. Não pela Copa em si, mas pelos feriados.

As empresas também estão mais retraídas? Até que ponto elas vislumbrariam uma possibilidade, mesmo sem Copa e feriados, de se aproveitar do mercado de capitais?
Esse clima de [falta de] confiança que se instalou não foi só com o investidor estrangeiro, mas também com o empresariado brasileiro. Não é por outra razão que o governo tem realizado reuniões para se aproximar do empresariado.
Porque o Brasil tem um potencial extraordinário em todos os segmentos. É um rastro de pólvora: mudando as expectativas, reage imediatamente. O investidor já havia se antecipado ao rebaixamento da nota. Na virada de mercado positiva, ele também vai querer se antecipar, para comprar na bacia das almas.
O governo está se aproximando do empresariado para que a confiança se restabeleça. Um exemplo são os leilões de concessão: mudou de posição quando percebeu que não havia muitos interessados. Teve que remodelar os editais e houve boa saída.

O que traria a retomada de confiança do empresário para os lançamentos de ações?
Não há uma bala de prata, mas há um ponto importante: a previsibilidade dada pelo governo, em questões fiscais principalmente, no médio e no longo prazos.
As questões de infraestrutura e investimento já estão sendo tratadas, mas falta essa previsibilidade. Porque, quando se faz um investimento, não se toma a decisão hoje e começa a fazer amanhã. Toma-se a decisão hoje para o ano que vem.

Estamos falando mais de segurança jurídica ou de política econômica?
Incorpora tudo, mas é mais o olhar do governo em relação a questões fiscais e de inflação. Mais previsibilidade sobre o rumo da economia.
Se voltarmos a 2002, na eleição do Lula, era um caos no mercado, por causa da instabilidade instaurada. Depois que Lula assumiu, ele deu uma previsibilidade. Tinha uma tripulação adequada e o Brasil cresceu espetacularmente em um período importante para o desenvolvimento das empresas, da Bolsa, do mercado. É algo que se espera, porque o potencial está aí.

Com a eleição, está se anunciando um período de altíssima instabilidade dos preços, especificamente na Bolsa?
O mercado brasileiro tem mais volatilidade que outros por ter potencial de liquidez [resgate dos recursos investidos] extraordinário. De fato, em ano de eleição, fica mais sujeito a essa condição.

A eleição não muda o cenário que o senhor traçou, de recuperação irreversível?
O país está em uma situação em que não tem mais volta, como um Boeing na pista em alta velocidade. Não tem jeito de parar esse Boeing.

Independentemente de quem for o piloto, ele decola?
Sim. O piloto, logicamente, tem que contar com copiloto e toda uma tripulação que dê equilíbrio. Seja na reeleição da Dilma, seja com outro governo, o país está pronto para esse crescimento.


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