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Comissão apura morte de índios na ditadura

Indígenas relatam incêndio de aldeias e uso de bombas durante construção da BR-174, entre Manaus a Boa Vista

Funai reconhece que os waimiri-atroari morreram nas obras, mas diz não haver provas contra militares

LUCAS REIS DE MANAUS

Um mistério de 40 anos mobiliza antropólogos, procuradores e indigenistas: o que aconteceu com quase 2.000 índios que viviam no Amazonas nos anos 1970?

O que se sabe é que os waimiri-atroari quase foram extintos no período. A população da etnia caiu para 300 pessoas, a maioria crianças e mulheres, e só voltou a crescer no final dos anos 1980 --hoje são cerca de 1.700.

Com mais oito meses de trabalho pela frente, a CNV (Comissão Nacional da Verdade) quer provar que esses índios foram alvo de genocídio praticado pela ditadura.

Em depoimentos à CNV, índios disseram que militares mataram famílias inteiras, lançaram bombas e pó químico de aviões e incendiaram aldeias. Citaram ainda doenças como causas das mortes.

Peça chave do enigma é a construção da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista (RR), iniciada em 1967. Concluída em 1981, a estrada atravessou, no norte do Amazonas, a reserva dos waimiri-atroari, etnia conhecida pela força física e pela hostilidade a sertanistas e indigenistas.

"Muita gente desapareceu, e isso tem relação com a estrada. Não posso dizer que foram eles [militares], mas há indicações", disse à Folha o antropólogo José Porfírio de Carvalho, que na atuou na região à época pela Funai.

Em visita da CNV à aldeia da etnia, em julho de 2013, Carvalho foi enfático. "O governo passou a estrada atropelando direitos e pessoas."

A Funai reconhece que "número significativo" de índios da etnia morreu em decorrência da construção da estrada. Mas diz não ter registro que incrimine militares.

"As causas [das mortes] são diversas, todas associadas ao processo de contato acelerado pela construção da estrada", diz a fundação. O Exército não se manifestou.

Para Maria Rita Kehl, que coordena o grupo sobre índios e camponeses na CNV, houve redução anual de 20% da etnia a partir da construção da BR-174.

"A Funai era muito displicente. Muitos dizem que morreu mais índio de gripe do que de tiro. Mas isso não diminui a responsabilidade do Estado no genocídio", disse.

Localizados pela Folha, dois sertanistas que tiveram contato com os waimiri-atroari durante a obra manifestaram visões distintas sobre o episódio. "O governo e os militares tiveram um papel íntegro na construção da estrada. Nenhum índio foi morto pelos militares", afirmou Sebastião Amâncio, 90.

Já Estevão Rodrigues, 77, disse que o massacre existiu. "Ver, ninguém viu nada, era tudo no meio da floresta. Mas eles [índios] nos contavam. Assustavam-se com as máquinas, amarravam tratores e caminhões nas árvores. Não gostavam de militar", disse.

O Ministério Público Federal no Estado e a comissão estadual da verdade também investigam o caso. As frentes de apuração se baseiam nos mesmos documentos da CNV: depoimentos, ofícios de compra de armas e ordens do Exército de demonstração de força contra índios, desenhos de crianças indígenas que retratam supostos crimes.

O relatório final da CNV deverá ser entregue em setembro. Ao todo, a estimativa é que 7.000 índios de diversas etnias tenham morrido ou desaparecido no período. "Ainda estamos longe de fechar essa conta", disse Kehl.


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