Entrevista da 2ª Renato Pereira
Campanha de Aécio Neves pregou para convertidos
Ex-marqueteiro do Tucano defende a tática Petista de desconstrução e critica o TSE por tentar limitar ataques
Responsável pela pré-campanha do senador Aécio Neves (PSDB) até dezembro de 2013, o antropólogo Renato Pereira, 54, diz que a derrota do tucano se deve à estratégia não ter saído da "zona de conforto do PSDB".
Para ele, Aécio "pregou para convertidos" ao centrar no discurso contra a corrupção.
A parceria de Pereira com o tucano acabou por divergências na condução da pré-campanha. Para ele, Aécio deveria sair do "teatro da política" para a "agenda [da vida] real".
"Os comerciais da Dilma são os compromissos dela com o eleitor. A visão do Aécio e da cúpula do PSDB é antiquada, com políticos e celebridades que supostamente influenciam as pessoas."
O marqueteiro também apontou como erros o anúncio de Armínio Fraga como futuro ministro da Fazenda e chamar a presidente de "leviana" num debate.
Vitorioso na disputa no Rio, onde comandou a campanha do governador reeleito Luiz Fernando Pezão (PMDB), Pereira defende o uso de críticas pessoais e a tática da desconstrução e critica o Tribunal Superior Eleitoral por tentar impor programas de TV propositivos. "É um campo aberto para o populismo."
Folha - Por que a presidente Dilma foi reeleita?
Renato Pereira - A campanha dela soube perceber em que país está vivendo. O PSDB demonstra ter ainda uma visão patrimonialista da política. Na última semana de eleição, os comerciais do PSDB têm Neymar e Romário.
Os comerciais da Dilma são os compromissos dela com o eleitor, com o alvo da eleição. A visão do Aécio e da cúpula do PSDB é antiquada, com composições, políticos que supostamente têm os seus currais eleitorais e celebridades que supostamente influenciam as pessoas. Isso se traduz em peças publicitárias inadequadas numa eleição tão apertada como essa.
Quais os principais erros?
O primeiro foi anunciar o Armínio [Fraga como ministro da Fazenda], o que permitiu ao PT tornar tangível a narrativa do governo de ricos versus de pobres.
O problema foi anunciar um ministro ou o Armínio?
Ao anunciar o Armínio, Aécio buscou ganhar credibilidade. Mas só entre quem já votava nele. O segundo erro foi ter chamado a Dilma de leviana. No Nordeste, leviana tem o sentido de "mulher da vida". Ficou agressivo.
Do lado do PT, tem esse erro inacreditável, não da coordenação da campanha, mas de uma parte da militância, fazendo aquela ataque à sede da "Veja". Multiplicou o alcance da matéria. Virou matéria no "Jornal Nacional". Mas acho que não deu tempo [de influir no resultado].
O caso Petrobras permeou a campanha toda, e Aécio apostou nisso. Foi um erro?
[A corrupção] É um tema relevante para o eleitor que já priorizava o voto contra o PT. Aécio foi muito eficiente em pregar para os convertidos, mas para ganhar a eleição ele tinha que converter novos eleitores. O tema central é a economia do cotidiano, o poder de consumo, mais e melhores empregos e perspectivas melhores de futuro.
O foco da Dilma o tempo todo é economia. A tradução do caso Armínio é muito vida real. "Esse cara disse que vai mudar a política dos bancos públicos. A prestação do Minha Casa Minha Vida, por regras de mercado, deveria ser cerca de R$ 900. Só é cerca de R$ 100 para quem ganha até dois salários mínimos porque o governo subsidia. Com o Armínio, vai acabar esse subsídio." É uma tradução da vida como ela é.
A campanha do Aécio falava de um conjunto de temas dentro de uma zona de conforto do PSDB: o discurso da ética e da eficiência. O PSDB, ao contrário do PT, não procurou modular sua mensagem ao Brasil atual.
O PSDB não quis abandonar essa zona de conforto?
Não quis ou não soube. No fim dos anos 90, o PT conseguiu se adaptar a um país em transformação, conquistou a classe média. Antes, o eleitor do PT era ideológico. O PT conseguiu mudar isso. O PSDB continua preso a um discurso tradicional.
É possível ganhar uma eleição com um eleitorado de mais renda e escolaridade?
O que eu dizia quando estava com Aécio era que a única chance de ganhar com esse discurso é se o PT se suicidar. O que quase aconteceu, com o ataque ao prédio da Abril.
Como Aécio pode mudar sua imagem para 2018?
A razão da candidatura era tirar o PT do poder. Não é um discurso eficiente com o eleitor que definiria a eleição, a classe C. Isso não era algo do Aécio, mas da cúpula do partido. Mesmo alguns mais sensíveis na análise, como o Tasso Jereissati, o Fernando Henrique. Essa disputa com o PT torna o discurso moldado por esse antagonismo. Isso acaba estreitando o alcance da mensagem.
Mas também deveria haver gestos. Eu defendia que o Aécio tinha que sair do teatro da política, com um agenda real próxima do cidadão. Viajasse, tivesse encontros.
Semelhante à Caravana da Cidadania do Lula?
Também, mas o Lula há algum tempo conseguiu transmitir a mensagem de que é um cara parecido com o brasileiro médio. O PSDB é percebido como um partido de elite distanciado da população. Em parte por obra do PT, mas também pelos gestos de seus principais líderes.
A eleição apertada prejudica a governabilidade?
Acho que o Brasil já é suficientemente maduro para absorver esse choque.
Qual foi o erro da Marina?
Houve uma coleção de erros, mas também de fragilidades estruturais. A Marina era a única dos três que fazia o que o Lula conseguia fazer. Mas ela não articulou isso bem, com muitos improvisos. Houve erros bobos, como lançar o programa de governo.
Por que divulgar o programa de governo foi um erro?
Ninguém divulga. Ela lança como se fosse um trunfo, mas tanto Aécio quanto Dilma trabalharam fortemente contra o que ela lançou.
O programa não ajuda o eleitor a ter uma decisão mais consciente?
Uma coisa é dizer quais são suas ideias e compromissos centrais. Outra é entrar no nível de detalhe que permita um trabalho de desconstrução. Quanto mais detalhe, mais se enrola.
Não seria transparência?
Mas é uma transparência que não existe em nenhum lugar do planeta. Entrar em detalhes permite que adversários distorçam, desconstruam ou revelem coisas que, do ponto de vista eleitoral, são nocivas.
Essa eleição foi marcada pelas desconstruções, distorções e ataques pessoais?
Eleição é para ser seleção natural. Tem competidores, partidos e seus representantes que precisam passar por um processo em que suas vantagens e desvantagens competitivas têm que aparecer. O que o TSE começa a dizer, que eleição tem que ser só proposta, é uma piada.
Os comportamentos que você teve ao longo da sua vida revelam os seus valores. Você pode até se arrepender, e terá a oportunidade de dizer isso. Mas achar que um adversário ou a imprensa não podem discutir o que você fez de errado ou polêmico como cidadão ou político no passado é um absurdo total.
Não é possível uma campanha mais propositiva?
OK, vamos fazer uma campanha eleitoral em que as pessoas aparecem num estúdio falando. Quem ganha? Qualquer cara carismático, que fale bem, seja bom comunicador... É um campo aberto para o populismo. Vira um programa de auditório. O artifício da publicidade vale para todo mundo.