Delação premiada já era prevista no período colonial
Inspirado nos EUA e na Itália, país atualizou recentemente regras e procedimentos sobre benefício a criminoso que colabora com a Justiça
Apesar de ter sido regulamentado somente no ano passado, o instituto da delação premiada, que vem sendo usado na Operação Lava Jato, não é novo no país. Já nas chamadas Ordenações Filipinas (1603-1867), sistema jurídico que vigorou durante o período do Brasil colônia, o instrumento era previsto.
Na época, crimes de lesa-majestade, que seriam traições contra a pessoa do rei ou de seu Estado Real, poderiam ser perdoados se o traidor não fosse o líder do grupo e entregasse seus comparsas.
Dentro do novo ordenamento jurídico, ela passa a existir efetivamente a partir de 1990, com a lei sobre crimes hediondos, que previu a redução das penas para casos de sequestro organizados por quadrilhas ou bandos.
O delator que desse informações às autoridades, permitindo a recuperação da pessoa sequestrada, receberia como benefício uma redução em sua pena, variando de um terço a dois terços de abatimento na punição.
Segundo o professor de processo penal da USP (Universidade de São Paulo) Gustavo Badaró, o Brasil aproveitou experiências estrangeiras para criar sua legislação sobre a delação premiada.
"A delação no país surge por inspiração dos Estados Unidos e da Itália. Ambos os países utilizaram o mecanismo contra a máfia", disse.
Segundo ele, a partir de 1990, outros crimes começaram a entrar gradativamente no rol daqueles em que era possível obter benefícios com a delação premiada, alcançando hoje qualquer crime praticado por uma organização criminosa.
O ponto de virada, diz o professor, aconteceu no ano passado, quando a nova lei de crime organizado foi editada. Ela trouxe procedimentos e detalhou especificamente como as delações devem ser conduzidas.
PROCEDIMENTOS
"Antes, tínhamos somente o benefício em lei, mas não havia regras claras de como se proceder, o que gerava uma série de questionamentos. A partir do ano passado ficou estabelecido como a delação se inicia, como o acordo é feito e homologado, quando a delação se torna pública, enfim, se trouxe segurança jurídica para o tema", afirma Badaró.
Devido à existência da delação desde os anos 1990, alguns casos brasileiros já se utilizaram do instituto. Um deles, o do Banestado --que investigou a atuação de criminosos no mercado paralelo de dólar-- tem como personagem o doleiro Alberto Youssef, que hoje também já encaminhou um acordo de delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato.
Na época, foi beneficiado com a redução de suas penas, mas, depois se descobriu que ele quebrou o acordo ao voltar a operar, por isso, foi condenado em setembro por corrupção ativa.
A delação também foi usada no processo do mensalão. Dois operadores, Lucio Funaro e José Carlos Batista, da empresa de fachada Garanhuns Empreendimentos, ganharam perdão judicial por colaborarem com a Justiça.
O delator do mensalão, Roberto Jefferson, mesmo sem ter feito acordo acabou beneficiado. Quando os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) fixaram sua pena, eles a reduziram em um terço pelo fato de ele ter revelado o esquema, em uma entrevista à Folha em 2005.