Escândalo na Petrobras
Obra de gasoduto para Manaus acumulou fraudes
Superfaturamento, documento falso e impunidade marcam projeto da OAS
Aluguel de ambulância, por exemplo, que custaria R$ 54 mil, ficou em R$ 800 mil, diz relatório do TCU
Superfaturamentos, falsificação de documentos, aditivos fora da lei, alertas emitidos, multas aplicadas, recursos, absolvição e, no final das contas, ninguém punido.
O Gasoduto Urucu-Manaus, iniciado em 2006 em projeto liderado pela OAS, foi a primeira grande obra da Petrobras a seguir o roteiro de frouxidão que resultou nos desvios bilionários agora descobertos na Lava Jato --ela é uma das nove em que se aponta desvios de recursos.
Entre 2007 e 2008, o TCU (Tribunal de Contas da União) iniciou investigações nas dezenas de contratos de construção da linha de cerca de 400 km que levaria gás da região de Urucu para Manaus, reduzindo a dependência de energia da capital amazonense.
No projeto da obra, estimava-se gastar R$ 1,2 bilhão.
Foram apuradas 26 irregularidades graves nos contratos, de responsabilidade do ex-diretor Renato Duque, preso desde o dia 14. As suspeitas iam de superfaturamento a falsificação de documentos.
A causa era simples: a Petrobras começou a obra com projetos incipientes, mesmo sendo uma construção com quilômetros de escavação no meio da floresta amazônica.
Nem a estatal nem a empreiteira comentaram o caso até a conclusão desta edição.
O aluguel de uma ambulância, por exemplo, saiu por R$ 800 mil. Não deveria passar de R$ 54 mil. Documentos com assinaturas diferentes das mesmas pessoas justificaram a dispensa de licitação.
Na época, os contratos já somavam R$ 2,2 bilhões.
Por considerar os novos aditivos irregulares, o engenheiro da Petrobras Gésio Rangel de Andrade se recusou a assiná-los e os denunciou à empresa. Segundo sua mulher contou à Folha, Andrade acabou punido pela companhia e saiu da obra em 2007. O chefe de Gésio era Renato Duque.
Em 2007, uma comissão com dez deputados inspecionou as obras. Nada encontrou de irregular e o relatório final é só elogios. Entre eles estava Ciro Nogueira (PP), hoje senador pelo Piauí e presidente do PP. Junto do PT e do PMDB, o PP é uma das legendas acusados de ganhar com os desvios.
O TCU pediu explicações a 12 pessoas. No final, apenas três foram multadas, em R$ 5 mil cada uma, e a Petrobras foi obrigada a reter valores pagos a mais nos contratos.
Outra medida foi a abertura de um processo para apurar superfaturamento em um dos contratos da obra, com o Consórcio Amazonas Gás (a empreiteira OAS era a líder).
Inicialmente, a Petrobras pagaria R$ 666,7 milhões pelo trecho, mas aditivos levaram o total a R$ 1,230 bilhão.
RECURSOS
As empresas e os três multados na primeira ação entraram com recursos e todas as punições foram anuladas.
Já o processo da Amazonas Gás tem decisão inusitada dos técnicos do TCU. Mesmo apurando sobrepreço de 10% e sendo proibidos por lei aditivos acima de 25% (nesse caso, havia sido de 85%), recomendaram arquivar a ação por não haver irregularidades.
O plenário do TCU entendeu diferente e mandou que os responsáveis justificassem as decisões. Esse processo ainda não acabou --as justificativas estão sendo analisadas.
Encerrada, a obra atrasou três anos e custou R$ 4,5 bilhões, quase o quádruplo do plano. E, sabe-se agora, foram pagos ao menos R$ 15 milhões de propina pelos contratos.