Crimes da ditadura
Familiares de vítimas da esquerda criticam relatório
Para irmão de militar assassinado, Comissão da Verdade teve 'caráter unilateral'
Filho de empresário morto por guerrilheiros reclama de tratamento desigual e diz que não foi ouvido o 'outro lado'
Familiares de mortos na ditadura militar (1964-85) em ações da esquerda armada lamentaram a ausência de qualquer menção a esses casos no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, apresentado na quarta-feira (10) no Palácio do Planalto.
O grupo, que iniciou os trabalhos em maio de 2012, focou a investigação somente nos mortos e desaparecidos comprovadamente vítimas de atos cometidos por agentes de Estado. Os demais casos não foram investigados.
Militares da reserva reunidos no Clube Militar divulgaram uma lista, em resposta às conclusões trazidas no documento, com o nome de centenas de pessoas que morreram direta ou indiretamente em ações das organizações da esquerda armada. A relação, contudo, contém erros e ao menos duas pessoas que estão vivas (leia mais ao lado).
O número exato de mortes provocadas pelas ações da esquerda é incerto. Um dos casos de maior repercussão na ditadura foi o assassinato de Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragaz e diretor da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de SP).
O relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma que Boilesen era um empresário que arrecadava recursos para o aparato de repressão e que chegou a importar um aparelho de choques e a assistir a sessões de tortura.
"A fama de Boilesen acabaria despertando a ira dos opositores do regime, e uma ação conjunta do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e da Ação Libertadora Nacional (ALN) executou o empresário" em 15 de abril de 1971, diz o documento.
Para Henning Boilesen Jr., filho do empresário, ele era "um pai de família que, certo dia, despediu-se da mulher, saiu para trabalhar e levou 25 tiros na cabeça de terroristas de esquerda".
"Mas eu não esperava mesmo que a comissão fosse ouvir o nosso lado, o outro lado da história", diz Henning, 72 anos, que mora em São Sebastião (SP) com a mulher.
"Sei que os parentes do Lamarca [um dos líderes da esquerda armada na ditadura] estão recebendo dinheiro, mas imagine se eu recebo alguma pensão por causa do assassinato do meu pai", diz ele.
Ele rechaça as acusações de que seu pai financiava e assistia sessões de tortura.
"Oito dos 16 irmãos do meu pai morreram na Dinamarca, vítimas dos nazistas. As mulheres da família foram torturadas na frente dele, sentadas em cones, foram pressionadas até rasgar o corpo. Se você vê uma coisa dessas, acha que vai querer assistir à sessão de tortura?", pergunta. Segundo Henning, a Comissão não levou em conta que "bancos eram assaltados, aviões sequestrados, terroristas matavam".
O dentista Simão Pedro Bispo Feche, 61, irmão de um cabo morto por militantes de esquerda, também reclama do que classifica de "caráter unilateral" da Comissão Nacional da Verdade. "Não tenho os olhos fechados, sei que ocorreram muitos abusos, mas ocorreram dos dois lados. Eles [militantes de esquerda] não eram santinhos."
Simão conta que o irmão Sylas Bispo Feche morreu em 1972 durante abordagem a militantes de esquerda suspeitos perto da avenida República do Líbano, em São Paulo.
"Eram quatro agentes do DOI-Codi. Eles cercaram um fusca para pedir documentos aos suspeitos. Ele foi o primeiro a descer do carro e foi metralhado." Segundo Simão, Sylas tinha 23 anos e era casado. "A gente não esquece jamais. Ele era divertido, querido, acreditava na vida."