Bilhete escrito na cadeia abre guerra entre Odebrecht e PF
Orientação para 'destruir e-mail' faz polícia levantar suspeita contra empresário
Empreiteira diz que objetivo era rebater versão adotada por juiz sobre mensagem, e não ocultar provas
A divulgação de um bilhete escrito na cadeia pelo presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, em que aparece a expressão "destruir e-mail sondas", abriu uma guerra entre a empreiteira e a equipe da Polícia Federal que atua na Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras.
A mensagem foi escrita por Odebrecht na cela da PF em que ele está preso desde sexta (19), em Curitiba, e endereçada aos advogados da empreiteira. A partir do bilhete, a PF levantou a suspeita de que o empresário mandou os advogados ocultarem provas, crime que poderia levar o juiz federal Sergio Moro a decretar nova prisão de Odebrecht.
A defesa da empreiteira diz que a mensagem foi mal interpretada. Segundo a Odebrecht, o verbo "destruir" foi usado no bilhete com o sentido de "contestar" a interpretação feita pelo juiz Moro de um e-mail encontrado nas investigações e usado para fundamentar a prisão de Marcelo Odebrecht, e não no sentido literal, de apagar o e-mail.
Nesta mensagem, um dos executivos do grupo Odebrecht fala em "sobrepreço" num contrato para operação de sondas de extração de petróleo. Moro e os investigadores acham que a mensagem indica que houve superfaturamento no contrato e que Odebrecht sabia de tudo. A empresa diz que não há irregularidades no contrato.
O bilhete foi copiado pela PF na segunda (22), após um agente suspeitar da expressão "destruir". Segundo a PF, todas as correspondências dos presos são examinadas, como medida de segurança.
O e-mail que fala em "sobrepreço" foi escrito em março de 2011 por um executivo do grupo Odebrecht, Roberto Prisco Ramos, e foi enviado a várias pessoas, incluindo Marcelo Odebrecht. No bilhete encontrado pela polícia agora, o empreiteiro se refere a Roberto Ramos como "RR".
Em petição entregue à Justiça nesta quarta (24), o delegado da PF Eduardo Mauat levanta a suspeita de que o bilhete traz uma orientação para destruir provas e pede que a Justiça mande a Odebrecht entregar em cinco dias todos os e-mails de Ramos que tiver armazenados em seus computadores.
Em novembro do ano passado, e novamente na sexta-feira, a PF fez buscas em escritórios da Odebrecht e recolheu pen drives e computadores de vários executivos, incluindo Marcelo Odebrecht.
A advogada Dora Cavalcanti, que defende o empresário, disse que, quando perguntou ao delegado Mauat por que deixara passar para os advogados um bilhete cujo conteúdo considerava criminoso, ele afirmou que o ato foi "de propósito, na expectativa de que algum dos advogados procurasse os policiais para dizer que 'cometimento de crime não é função de advogado'". "Ultrapassamos as raias do absurdo!", disse a advogada, em petição enviada ao juiz Moro.
FALTA DE LÓGICA
À Folha a advogada da Odebrecht afirmou que a interpretação da PF sobre o bilhete carece de lógica: "Como você vai destruir um e-mail que já havia sido apreendido e analisado pela PF? ".
A Polícia Federal não quis comentar as declarações de Cavalcanti.
No bilhete, Odebrecht cita o banqueiro André Esteves, do BTG e sócio da empresa que alugas as sondas para a Petrobras. A Odebrecht não esclareceu o sentido da citação a Esteves, que não quis se pronunciar a respeito do tema.
No manuscrito, Marcelo Odebrecht orienta os advogados a contestar a interpretação das autoridades de que documento relativo à compra de US$ 300 mil em títulos da Odebrecht, chamados "bonds", é indício de propina paga ao ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco. "Bonds são públicos e não temos controle sobre preço e quem compra", diz Marcelo.
O empresário mandou os advogados rebaterem também a acusação dos procuradores da Lava Jato contra o engenheiro João Bernardi Filho, que foi da Odebrecht até 2002.
Ele figura até hoje como sócio de uma empresa do grupo e é acusado de ter pagado suborno em nome da Odebrecht.
Odebrecht afirmou ainda que a empresa fez auditoria interna e mudou sua estrutura --o juiz dissera que a empresa não havia feito nada após a Lava Jato. "Mas não podemos condenar ninguém sem provas." Mesmo assim, disse, o executivo da Odebrecht "R.A", cujas iniciais coincidem com as de Rogério Araújo, foi afastado dos negócios com a Petrobras. Araújo também foi preso na sexta.
Agentes da Polícia Federal que prestaram depoimento sobre o episódio relataram que, na carceragem, Marcelo "escreve bilhetes o tempo todo" e tem "mania" de sair da cela com papéis redigidos. Um deles comparou a grafia de Marcelo a "hieróglifos", forma de escrita adotada por civilizações antigas.