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Análise

Dificuldade é saber como lidar com colaborador 'marginal' do regime

CARLOS FICO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O assassinato de Vladimir Herzog nas dependências do 2º Exército paulista em 1975 é episódio conhecido da historiografia. A fotografia divulgada pela repressão -que tentava vender a tese de que ele se enforcara- teve grande impacto e suscitou reações de incredulidade.

O presidente Geisel advertiu o comandante da guarnição, general Ednardo, que acabou demitido quando um episódio assemelhado ocorreu poucos meses depois.

A demissão de Ednardo foi um momento importante de afirmação do projeto de abertura de Geisel, que usou o episódio para impor-se diante da comunidade de segurança.

O furo da Folha, ao entrevistar o autor da foto, que trabalhava para a polícia, é importante não apenas porque ajuda a derrubar definitivamente a tese do suicídio.

Também interessa porque é uma espécie de antecipação do que ocorrerá nos próximos dois anos de trabalho da Comissão da Verdade: como serão recebidos os depoimentos das pessoas que atuaram marginalmente na repressão e que se disponham a falar?

O presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão, disse que o fotógrafo foi "um agente que colaborou com a repressão". As comunidades de segurança não eram formadas só por torturadores.

Um órgão como o SNI chegou a ter 2.500 servidores. O DOI-Codi do 2º Exército chegou a ter 250 integrantes.

Muitos desses funcionários serviram marginalmente à repressão, prestando serviços diversos. Tinham conhecimento do que acontecia? Certamente. Vários deles, como o fotógrafo do cadáver de Herzog, estão vivos: como devemos tratá-los?

Essa questão tem sido muito frequente quando, no cinema e na literatura, surgem versões que aparentemente justificam a atuação dessas pessoas assinalando que elas não eram inteiramente responsáveis pelo que faziam. É o que, na literatura acadêmica, chamamos de "risco de humanização do algoz".

A conivência com a repressão não deve ser aceita. Mas não devemos desestimular novos depoimentos dos que estiveram nas margens da repressão.

Carlos Fico é professor titular de história do Brasil da UFRJ.

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