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Elio Gaspari

Deportaram? Deportaremos

A paciência esgotou-se, e Pindorama aplicará aos espanhóis o tratamento recebido pelos brasileiros

FORA DO mundo do palavrório, a diplomacia da doutora Dilma praticou o primeiro gesto prático na defesa dos cidadãos brasileiros: comunicou ao governo espanhol que a partir de abril seus viajantes que chegarem aos aeroportos de Pindorama deverão cumprir as mesmas exigências que são feitas aos brasileiros que descem em Madri.

A saber: comprovar que têm pelo menos US$ 100 para cada dia de permanência, ou crédito disponível no cartão, reserva de hotel quitada, mais passagem de volta. Quem não o fizer será deportado.

A truculência da polícia espanhola e o descaso (ou desprestígio) de seu serviço diplomático obrigaram o governo a dar aos espanhóis o mesmo tratamento recebido pelos brasileiros. A providência veio com três anos de atraso.

Até agosto de 2011, 1.005 brasileiros foram impedidos de entrar na Espanha. Nenhum dos dois países exige vistos de entrada, e a polícia espanhola argumenta que cumpre a legislação comum da União Europeia.

É verdade, mas desde 2008 o governo e o Congresso brasileiros reclamam de episódios exorbitantes.

Houve casos de professores brasileiros deportados quando desceram em Madri a caminho de Lisboa.Em 2003, pesquisadora da USP ficou três dias numa pequena sala, com outras 30 pessoas, dormindo no chão.

Anos depois, a sala tinha 30 metros quadrados, com 300 detidos. Numa ocasião, seus beliches, eram compartilhados por homens, mulheres e crianças. Banho? Nem pensar. Jamais houve um pedido de desculpas. Nem mesmo ao padre a quem um policial perguntou se o que tinha na mala era uma fantasia de Carnaval. Eram paramentos litúrgicos.

Não seria justo julgar a civilidade do governo espanhol a partir dos modos dos policiais do aeroporto de Barajas. Eles estão lá para impedir a entrada de pessoas que pretendem viver na Espanha sem a devida documentação.

Há quadrilhas que exploram mulheres levando-as para a Europa (o tio da duquesa de Cambridge orgulha-se de ter um plantel de brasileiras disponíveis em Ibiza). Há também europeus grisalhos que vêm sozinhos para as praias no Nordeste.

Em 2008, num sinal de que o governo brasileiro poderia reagir, sete turistas espanhóis foram barrados em Salvador. Não se conhecem as gestões dos embaixadores espanhóis junto a seu governo.

Para o público brasileiro, insistiram em dizer que a Espanha segue a legislação europeia e as reclamações das vítimas eram "superdimensionadas" pela imprensa, até mesmo com "manifestações (...) inteiramente fora de propósito", como escreveu o embaixador Carlos Alonso Zaldívar. Faltou-lhe sorte. No mesmo dia chegara ao Brasil um plantel de deportados que passara dois dias detido, sem acesso a bagagem de mão, remédios, sabonete ou escova de dentes. (Numa das refeições, serviram-lhes sardinhas.)

Durante três anos, o Itamaraty mostrou seu desconforto. Ou o serviço diplomático espanhol não conseguiu fazer com que seu governo entendesse o que estava acontecendo ou, tendo entendido, ele achou que a última palavra devia continuar com a meganha de Barajas.

Com a reciprocidade de exigências, os dois governos podem entrar numa competição saudável: passam a tratar direito os viajantes que apresentam documentação julgada insuficiente e não servem sardinhas a quem não pode escovar os dentes.

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