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Janio de Freitas

O tempo de agir

A presidente está certíssima ao cobrar dos militares o respeito à Constituição: aos fora da lei, a lei

O DILEMA, nascido com a aprovação da Comissão da Verdade, recebe sinais que, no entanto, mais o acentuam do que diluem: melhor seria compor e entregar a comissão à atividade, logo que tornada lei, ou usar o largo prazo de 180 dias para compô-la, contando em enfraquecer com o tempo e a persuasão as reações dos temerosos ou contrários à veracidade histórica?

O governo optou pelo segundo caminho, que oferece a possibilidade de a qualquer altura dar vida à comissão. Não há como saber, ainda, se fez a melhor escolha. O primeiro sinal de resposta estará nos desdobramentos da manifestação dos clubes militares, por seus contingentes de excluídos da ativa, de contestação à autoridade civil da presidente, comandante suprema das Forças Armadas, e do ministro da Defesa.

Com seu manifesto "Eles que venham, por aqui não passarão", os autores e as centenas de signatários tornaram-se sujeitos, por decisão do ministro Celso Amorim apoiada pela presidente Dilma Rousseff, a alguma forma de reprimenda regimental, decidida pelos comandantes das respectivas Forças. Do manifesto, passaram a discutir agora a reação à reação.

A adoção ingênua do brado de guerra dos comunistas na Guerra Civil Espanhola, criado por "La Pasionaria" em Madri contra as tropas fascistas -"No pasarán!"-, talvez justificasse o perdão em agradecimento ao ato cômico dessas criaturas da Guerra Fria, que elevaram o anticomunismo acima dos seus juramentos militares, da Constituição e da soberania nacional. Em sentido oposto ao perdão e à formação dos manifestantes, porém, a presidente e o ministro estão certíssimos ao cobrar, na forma da lei e dos regimentos militares, o respeito à sua autoridade impessoal e à Constituição.

O que advier daí não precisa a de outro modo de ação por parte do governo: aos fora da lei, a lei.

Onde, porém, a política não é regra, a espera se esgota. É o caso da Justiça que não seja dada a engavetamentos, a fazer almofadas e descansa-pés com processos, que não entra em um dos desvios citados pela corregedora Eliana Calmon. Sem complacências, a brava juíza federal Solange Salgado não pode ser contestada em sua conclusão de que o governo federal (o de hoje e os de antes) tem sido deliberadamente sem objetividade na procura dos restos mortais no Araguaia. Por exemplo.

"Aonde se precisa ir no Araguaia, não se vai", diz Solange Salgado, na frase colhida pelo repórter Lucas Ferraz sobre a tal comissão que anda de lá para cá na região do Araguaia. E não é o único lugar aonde se precisa ir e não se vai, por decisão de não ir.

Razão bastante para que os alheios a complacências políticas (e outras), tenham disposição diferente: se nada mudar nas andanças e nos gastos inúteis, a Justiça Federal e o Ministério Público farão o que Solange Salgado chama de "caminho independente".

Em tal caso, a opção feita pelo governo, no seu dilema, desmorona. A rigor, desmorona o próprio dilema. Deixa de existir opção: o governo estará forçado a dar vida e força à Comissão da Verdade, sob pena de desmoralizar-se -o que seria um desastre irreparável para alguém que chegou à Presidência por um tortuoso e sofrido caminho.

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