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Elio Gaspari

Lysenko baixou no CNPq e na ANS

A professora Ligia Bahia mostrou que planos de saúde atendem mal sua clientela e terá que pagar por isso

Baixou no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico, CNPq, e na Agência Nacional de Saúde Suplementar, o espírito do comissário Lysenko, o queridinho de Stálin que bloqueou as pesquisas de genética na União Soviética.

Em 2006, o CNPq publicou um edital (046) encomendando 16 pesquisas relacionadas com o mercado de medicina privada e a ação da ANS. Uma delas intitulada "Dinâmica e Tendências do Mercado de Saúde Suplementar no Contexto da Regulação", foi coordenada pela professora Ligia Bahia, da UFRJ.

Mobilizando sete pesquisadores e três voluntários, estudou o atendimento de 30 operadoras do Rio e de São Paulo com uma clientela de 7 milhões de pessoas que pagavam entre R$ 31 e R$ 145,50 mensais.

O trabalho, apresentado em dezembro de 2009, foi aprovado em agosto de 2011 por três pareceristas convocados pelo CNPq.

Aqui vão três resultados:

- Se o cliente pede o cancelamento de seu plano, as empresas continuam cobrando por vários meses. (Exceções: Unimed Paulistana e Dix.)

- Três operadoras não enviaram livretos aos beneficiários listando a rede de atendimento. Muitos manuais confundem mais do que explicam. Listam hospitais, mas não informam quais especialidades atendem e são imprecisos na especificação de coberturas hospitalares de oncologia, neurologia e psiquiatria.

- Uma empresa, com 1,7 milhão de clientes, dispõe de uma rede de seis hospitais, o que dá 290 mil vítimas para cada hospital. Na outra ponta, a São Cristovão, com 53 mil fregueses, tem 35 hospitais.

A pesquisa concluiu que "a ANS não tem atuado para impedir a negativa de cobertura pela falta ou restrição da rede de prestadores".

Sugeriu que a agência faça um cadastro dos clientes, fiscalize a qualidade das informações oferecidas e impeça a oferta de planos acima da capacidade das operadoras.

Caiu o céu um cima da professora. O CNPq diz que ela não entregou a pesquisa. Errado, ela colocou-a na plataforma Carlos Chagas, uma das bases de dados do CNPq.

Acima de tudo, rejeitaram o trabalho, pois "os resultados estavam desconectados dos objetivos propostos". Fica a impressão de que a conexão seria estabelecida se as conclusões fossem outras.

O trabalho da professora foi desqualificado por analistas da ANS que instruíram um processo ao qual não lhe dão acesso. Fechando o circuito, o CNPq quer que ela devolva R$ 141 mil, como se não tivesse trabalhado. Ligia Bahia está com sorte, pois os adversários das teorias do doutor Lysenko foram mandados para o Gulag.

Sugestão: O CNPq e a ANS podem botar a cara na vitrine divulgando toda a documentação disponível, ou até convocando um painel para discutir o trabalho da professora. Ele está no site da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (http://www.abrasco.org.br/UserFiles/File/Abrasco%20Divulga/Relatorio.pdf).

CLIMA

O encontro da doutora Dilma com o companheiro Obama teve o clima das reuniões de Fernando Henrique Cardoso com George W. Bush e de José Sarney com Ronald Reagan. Não rolou boa química.

FICÇÃO CIENTÍFICA

O comissário Aloizio Mercadante confirmou na sua passagem pelos Estados Unidos que é o titular do Ministério da Ficção Científica do governo.

Anunciou que "o Massachusetts Institute of Technology abrirá um MIT no Brasil". Repetiu: "Teremos uma escola do MIT no Brasil". Foi prontamente desmentido, num comunicado da instituição: "O MIT não abre filiais no exterior".

Em 2011, ao assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia, anunciou a construção de uma laboratório oceanográfico em alto-mar. Cadê?

Durante a visita da doutora Dilma à China, Mercadante esteve na cena do anúncio de um investimento de US$ 12 bilhões da empresa Foxconn. Cadê?

Algum dia Mercadante mostrará como os professores da rede pública organizarão suas aulas com os 600 mil tablets que resolveu comprar.

PRECONCEITO

Lula reclama e informa que, em seu telefonema ao empresário Eike Batista, recomendou-lhe que prestasse "todo o apoio possível" à família do ciclista Wanderson Pereira dos Santos, atropelado por seu filho Thor.

A questão continua do mesmo tamanho: Nosso Guia ligou para o homem mais rico do Brasil, mas não telefonou, oferecendo sua solidariedade, à família do morto, um ajudante de caminhoneiro.

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CENSURA E PODER NO IMPÉRIO DA HISTÓRIA

Um dia a "Revista de História da Biblioteca Nacional" poderá publicar uma reportagem intitulada "Censura e Poder no Império das Letras", contando o que lá aconteceu nos primeiros meses de 2012.

No dia 24 de janeiro, o jornalista Celso de Castro Barbosa publicou no site da "Revista de História" uma resenha do livro "A Privataria Tucana". Durante nove dias o texto esteve no ar, até que foi condenado publicamente pelo presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra.

Daí em diante deu-se uma sucessão de desastres. A resenha foi expurgada, quando a boa norma recomendava que fosse contraditada por outros textos.

A Sociedade dos Amigos da Biblioteca Nacional, Sabin, informou que o texto não passara pelos procedimentos burocráticos da Redação. Falso. Em seguida, a colaboração regular de Barbosa foi dispensada pelo editor da revista, professor Luciano Figueiredo.

No dia 29 de fevereiro, o jornalista enviou uma carta a oito membros do Conselho Editorial da revista contando seu caso: "Gostar de um livro, senhoras e senhores conselheiros, não é crime". Nenhum deles respondeu, e até hoje o conselho nada disse sobre o expurgo do texto. Nem a Sabin.

Enquanto essa panela fervia, a Sabin demitiu o professor Figueiredo. Um caso nada tinha a ver com o outro, pois as razões da dispensa eram administrativas. Diversos conselheiros, insatisfeitos com a demissão, ameaçaram renunciar. A briga tinha caciques demais e índios de menos, até que a Redação, que faz a revista, resolveu falar.

Ela enviou uma carta aos conselheiros informando que "um incômodo tem nos acompanhado: o discurso público dos senhores em solidariedade ao ex-editor, na tentativa de fazê-lo retornar à revista". Queixaram-se de sua gestão e mais: "A RHBN precisa de um editor que não ordene à equipe trabalhos extra-RHBN, sem remuneração".

No dia 1º, Celso de Castro Barbosa enviou nova carta aos mesmos oito conselheiros da revista, com a mais justa das queixas: "Procurei mantê-los informados, mas o que se seguiu foi seu silêncio estridente. (...) Francamente, com amigos como vocês, a Biblioteca Nacional não precisa de inimigos".

Resposta, nem pensar.

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