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Entrevista Carlos Ayres Britto

Se passar de junho, mensalão pode ser julgado só em 2013

PRÓXIMO PRESIDENTE DO STF DIZ NÃO SER BOM CASO TRANSCORRER PARALELAMENTE AO PERÍODO ELEITORAL, QUE TEM INÍCIO EM JULHO

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA

O próximo presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, enxerga pouco tempo para julgar o caso do mensalão, o mais rumoroso escândalo de corrupção da administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ou o caso é concluído até 30 de junho ou há risco de ficar só para 2013, quando muitas penas já estarão prescritas -ou serão apenas convertidas em prestação de serviços à comunidade.

Em entrevista à Folha e ao UOL, Ayres Britto, 69, disse considerar ideal que o mensalão seja julgado até junho. "No mais tardar 5 de julho, se houver consenso para uma convocação extraordinária no recesso", afirma. Depois disso, "fica difícil".

No segundo semestre, o processo eleitoral demanda o trabalho de 6 dos 11 ministros do STF na Justiça Eleitoral. Além disso, em agosto aposenta-se o ministro Cezar Peluso, e a corte fica incompleta. O desfecho do processo seria jogado para 2013.

O mais liberal dos ministros a ocupar a presidência do Supremo, Ayres Britto assume o cargo quinta-feira, dia 19. Ficará no comando só até novembro, quando completará 70 anos e terá de se aposentar compulsoriamente.

Nos seus cerca de seis meses à frente da corte, Ayres Britto pretende propor uma redução nas férias anuais de 60 dias dos juízes e o fim do patrocínio de empresas privadas para encontros de magistrados. Será também, afirma, um defensor do uso livre da internet e de redes sociais no processo eleitoral.

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Folha - É correto os juízes no Brasil terem 60 dias de férias por ano?

Carlos Ayres Britto - Esse tema será objeto, no meu período de administração, de focada discussão. Eu seria favorável a uma redução, não sei se exatamente para 30 dias. Mas preciso conversar com toda a classe dos magistrados.

Um ministro do STF ganha hoje R$ 26.723,15 por mês. É necessário um reajuste?

Se for comparado com a remuneração dos servidores públicos em geral é um salário alto. Agora, se levar em consideração o que efetivamente ganham outros membros do Poder Executivo, como os que fazem parte de conselhos, sob jetom de presença, é preciso atualizar. Até porque estamos há alguns anos sem atualização desse teto.

É correto magistrados organizarem eventos com patrocínio de associações e empresas que têm causas na Justiça?

A corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, colocou esse tema em pauta no CNJ. Eu simpatizo com a ideia da interpretação restritiva dessa possibilidade...

De impedir que empresas...

...Patrocinem os eventos. Meu ponto de vista pessoal, em linha de princípio, é esse.

Em 16 de maio, entra em vigor a Lei de Acesso a Informações Públicas. Ficarão então disponíveis os salários e os benefícios de magistrados? E a lista completa de todas as pessoas que têm audiência com juízes?

Sem dúvida. O Judiciário, ele deve estar na vanguarda, e não na retaguarda do saneamento dos nossos costumes. Esses princípios do controle, da transparência, da visibilidade, devem ser exigidos e praticados pelo Poder Judiciário.

No Supremo também?

Sim. Vamos sair das palavras e vamos para os atos.

E o caso de autoridades cujos nomes completos são suprimidos dos processos?

Aqui no Supremo, alguns processos não vêm com os nomes das partes, só com as iniciais. Devo padronizar. Vou buscar o consenso. Isso faz parte das minhas políticas públicas judiciárias.

A Lei Eleitoral no Brasil é restritiva. Proíbe adesivos em carros fora de uma época definida. Está certo?

Na minha opinião não está de acordo com o espírito da Constituição, da liberdade de expressão, de manifestação de pensamento.

E a proibição ao livre uso de redes sociais e internet em eleições? Fere a Constituição?

Do meu ponto de vista, sim. Esse tipo de restrição está com seus dias contados.

Ou seja, se alguém arguir no Supremo que a Lei Eleitoral é inconstitucional...

...Tem chance de êxito.

O caso do mensalão poderá ser julgado com o STF sem a sua composição completa de 11 ministros?

Pode não ser conveniente. Quando uma decisão no Supremo é produzida pelo número cheio dos seus membros, ela é mais rica de equacionamento técnico. É politicamente mais legítima.

Quantos dias são necessários para julgar o mensalão?

É um processo incomum. São 38 réus. Em torno de 600 testemunhas. Teremos 38 sustentações orais, fora a do procurador-geral da República. O modelo de concepção e de execução das sessões de julgamento será objeto de uma decisão colegiada. Eu quero crer que em 20 dias úteis, de esforço concentrado, um regime quase de mutirão, para impedir uma inconveniência.

Qual inconveniência?

Não é bom que um processo dessa envergadura corra em paralelo com o processo eleitoral, que se inicia em 6 de julho em 5.562 municípios e com 400 mil candidatos.

Então o mensalão deve ser julgado antes?

Até 30 de junho, um sábado... Em 29 de junho, no mais tardar 5 de julho, se houver consenso para uma convocação extraordinária no recesso me parece de bom tamanho, de bom aviso. Mas tudo isso será objeto de uma decisão coletiva.

O início do julgamento depende da apresentação do voto do ministro revisor, Ricardo Lewandowski?

Sim, ele é quem disponibiliza o processo para a pauta de julgamento. E cabe ao presidente providenciar a inclusão em pauta.

Se entrarmos em junho sem iniciar o julgamento, fica difícil julgar depois de julho?

Sim, do ponto de vista lógico, pela magnitude, pela complexidade, pelo volume das peças processuais...

E, depois, em agosto? O ministro Cezar Peluso se aposentará em meados de agosto...

Também não se pode negar isso. E fica difícil. Sem falar, eu me permito dizer isso, não há de minha parte nem de nenhum ministro predisposição para condenar nem para absolver, seja parcialmente, seja totalmente. Nós somos vacinados contra esse tipo de pressão.

Ou seja, não julgando o mensalão até 30 de junho, fica difícil no segundo semestre?

Fica mais difícil porque seis ministros do Supremo estarão ao mesmo tempo comprometidos com o processo eleitoral. São três titulares na Justiça Eleitoral e três substitutos.

O ministro Lewandowski já disse ao sr. quando pretende entregar o relatório?

Não. O ministro Lewandowski é respeitável, experimentado. É um acadêmico. Merece toda a nossa admiração e respeito. O "timing" é exclusivamente dele como juiz independente.

Quais penas já prescreveram?

Em tese, nenhuma.

Quando ocorre a prescrição?

Em tese, tudo é possível. É possível absolvição. É possível condenação total, condenação parcial. Agora, a prescrição vai depender, se houver condenação, da dosimetria da pena.

Muitos são réus primários...

Tem isso também. Então isso puxa a pena para baixo. Então vai depender muito da dosimetria.

Os réus do mensalão podem ter penas convertidas em prestação de serviço à comunidade também?

Penas alternativas, não é?

Isso é possível?

Aí é que está. Vai depender do relator, do revisor. Pela Constituição, as penas privativas de liberdade, elas comportam a sua substituição em penas restritivas de direito. As penas obedecem ao princípio da individualização. Às vezes uma pena restritiva de direitos é suficiente para cumprir a finalidade do próprio direito penal, que é castigar e ao mesmo tempo ressocializar, reeducar o apenado.

Mas eu não gosto de falar sobre isso porque aí partiríamos do pressuposto de que vai haver condenação fatalmente. E não se pode trabalhar com essa hipótese radical de absoluta condenação de todo mundo.

O fato de muitos serem réus primários aumenta a possibilidade de penas alternativas?

Em tese, sim. Mas é como eu estou dizendo. Vamos aguardar. Sobretudo a análise do relator do processo e sua propositura, seu equacionamento da causa, o seu veredicto.

Eu prefiro não avançar nesses meandros até também para nem remotamente inibir o trabalho que deve ser tecnicamente elogiável, excelente e imparcial, altivo, como de hábito, ou como invariavelmente sucede com as decisões do relator, o ministro Joaquim Barbosa.

FOLHA.com

Assista ao vídeo e leia a transcrição da entrevista
folha.com/no1076039

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