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Não dá para crescer como China e Índia, afirma Levy

Para ex-secretário do Tesouro, governo precisa "deixar economia respirar"

Reformas podem assegurar crescimento da economia no longo prazo, diz Levy, hoje
no mercado financeiro

Fabio Braga/Folhapress
Joaquim Levy, diretor da Bram, gestora de investimentos do Bradesco
Joaquim Levy, diretor da Bram, gestora de investimentos do Bradesco

ÉRICA FRAGA
MARIANA SCHREIBER
DE SÃO PAULO

Um dos principais formuladores da política econômica do primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que o país deveria desistir de tentar crescer no ritmo acelerado de outros emergentes, como China e Índia, e ganharia mais se trabalhasse para tornar sustentável o crescimento do país.

"Não dá para querer crescimento de Índia e China, pois a Índia é quase o Brasil dos anos 1970", diz o economista Joaquim Levy, que chefiou a Secretaria do Tesouro Nacional no início do governo Lula. Hoje, dirige a Bram, do Bradesco, especializada em gestão de investimentos.

A economia brasileira cresceu apenas 2,7% em 2011 e a taxa de expansão do PIB (Produto Interno Bruto) deve se aproximar de 3% neste ano, segundo projeções do mercado. O governo quer crescer ao menos 4,5% e tem adotado medidas de estímulo à indústria e outros setores.

Em entrevista à Folha, Levy diz que é natural que os governos tenham papel mais ativo em momentos turbulentos, mas acha que está na hora de o governo brasileiro "deixar a economia respirar".

Leia a seguir os principais tópicos da entrevista, concedida por e-mail:

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Controle de capitais

É natural que em momentos de crise o governo tenha um papel maior, afinal ele é uma instituição que existe exatamente para enfrentar desafios que superam a capacidade individual dos cidadãos. É que nem organizar a produção em período de guerra. E, quando acaba a guerra, os recrutas voltam à vida normal. Com a economia provavelmente também será assim, sem que a gente precise dos exageros dos anos 2000.

Há bastante tempo antes da crise, se apontava um relaxamento regulatório, por exemplo, nos Estados Unidos, que estimulou a tomada de risco pelo setor privado, talvez para manter a economia girando enquanto o governo evitava enfrentar desafios fiscais e estruturais.

Isso vai exigir um ajuste longo, mas não foi ou é [problema] único dos EUA ou do capitalismo em si, mas de política em geral.

Crescimento e inflação

Não acredito que haja expectativa de que mais inflação vai gerar crescimento ou emprego, e isso é enfatizado em todas as atas do Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central].

Por outro lado, na situação peculiar que o mundo vive, há choques nos preços de commodities e um excesso de liquidez global que dificulta manter a inflação baixa em um país que está crescendo.

O que eu acho mais relevante na política monetária nesses dois últimos anos foi o amadurecimento da discussão. O BC conseguiu tornar consenso que o mix fiscal-monetário [controle da inflação por meio da taxa de juros e da contenção dos gastos públicos] é essencial -algo que se sabe há tempos e o Tesouro Nacional sempre sublinhou, mas que por razões diversas não estava tão explícito.

A discussão mais recente da produtividade, não só na indústria, é outro passo importante. Esses progressos têm facilitado para o BC flexibilizar os juros sem risco exagerado para o sistema de metas de inflação.

Aliás, a mensagem dos relatórios de inflação tem sido de que as metas de inflação são para valer e taxa de juros, um modo legítimo de implementar a política monetária, só que agora coordenado com a política fiscal. Não tenho dúvida que o BC subirá os juros se precisar. Eles são a ferramenta de excelência para o controle da inflação.

Metas de inflação

O regime de metas continua atualíssimo. Veja que o próprio Fed [BC americano] resolveu explicitar não só as projeções de juros, mas principalmente como procura cumprir seu mandato.

O [presidente do Fed] Ben Bernanke falou que precisava de uma meta de inflação porque ajuda a diminuir o desemprego, para o qual não dá para estabelecer uma meta, porque é difícil descobrir a "taxa natural". A discussão assim fica mais compreensível e, portanto, democrática.

Gastos públicos e crescimento

O crescimento sempre ajuda, e a disciplina continua indispensável. Priorizar é escolher entre coisas que têm mérito, e por isso é difícil.

Em relação ao crescimento, se a gente comparar o desafio fiscal em 2000 e agora, o que se vê é que naquela época havia uma enorme demanda social, reprimida pela desordem dos anos 1980 e 90, que punha pressão no gasto corrente. Foi nesse contexto, por exemplo, que foi passada a emenda do gasto mínimo com a saúde, que continua importante.

Mas, nos anos recentes, fica evidente, por exemplo, que a sociedade, incluindo a classe C, ficou mais confortável em poupar para ter um plano de saúde privado. Na verdade, isso se tornou aspiracional e um complemento para qualquer emprego. Então, hoje o governo tem fôlego para direcionar mais recursos para o investimento, sem aumentar a carga tributária.

Cortes em 2011

Claro que, como o presidente Lula dizia, dinheiro é talvez um dos ingredientes menos importantes para esse investimento, pois há um deficit de capacidade de projeto, implementação etc., decorrente de três décadas de baixo investimento no setor público.

A diminuição do investimento em 2011 se explica em parte por isso. Esse deficit vem sendo atacado. O próprio PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e a reformulação do Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes] e da Funasa [Fundação Nacional de Saúde] vão nessa direção. Além disso, a presidente [Dilma Rousseff] mostrou que não há conflito entre investimento público e trazer capital e tecnologia privada, por exemplo, via concessões.

Quanto crescer

A nossa renda per capita, assim como nossa produtividade, ainda é menor que nos Estados Unidos ou no Japão. Mas estamos crescendo, e o importante é o crescimento ser sustentável.

Não quero ser complacente, mas a nossa demografia se estabilizou e somos um país de renda média, ainda que mal distribuída. Então não dá para querer crescimento de Índia e China, pois a Índia é quase o Brasil dos anos 1970.

E, falando nisso, felizmente temos menos problemas que a Bélgica, a começar pela nossa dívida pública... O Brasil "macunaimizou" a dicotomia Belíndia [misto de Bélgica e Índia, na expressão de Edmar Bacha].

O desafio mesmo é a fronteira tecnológica e do conhecimento. É a nossa agência espacial virar uma fonte de inspiração e desenvolvimento como a Nasa, e a pesquisa promovida por empresas crescer, objetivo para o qual o pré-sal deve ajudar.

Daí a importância de um quadro regulatório que deixe o setor privado respirar, sem demérito do apoio do governo à pesquisa, que permanece fundamental.

A geração Y está com vontade de aprender e fazer acontecer, e vai à luta. Outro dia descobri que a jovem "maîtresse d'hôtel" de onde às vezes almoço faz MBA em liderança. Então é deixar a economia respirar, que as oportunidades e o crescimento vão aparecer.

O que fazer

Coisas como ponderação fiscal, para mostrar que há espaço para o setor privado crescer, ou a valorização da competição, sinalizadas, por exemplo, com os leilões de concessões.

Pegando esse exemplo, o desempenho do nosso fundo de infraestrutura, que investe em companhias listadas desse setor, reflete bem a contribuição da iniciativa privada para o investimento e o crescimento do Brasil, tendo tido um rendimento superior ao da Bolsa, em geral, nos últimos 18 meses.

Evidentemente, reforçar isso requer mais do que medidas pontuais, e a subida do preço dessas ações reflete um grau de confiança em opções fundamentais do governo.

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