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Elio Gaspari

A bola de cristal do Morgan Stanley

O diretor do banco diz que a economia brasileira corre perigo e que Collor fez o Plano Real em 1994

O último número da prestigiosa revista "Foreign Affairs" publica um artigo de Ruchir Sharma, chefe da seção de mercados emergentes do banco Morgan Stanley, intitulado "Bearish on Brasil". Numa tradução livre e benevolente, poderia ser "Acautelem-se com o Brasil". O termo "bearish" vem do dialeto das Bolsas, tomando emprestado o gesto dos ursos (bears) que jogam para baixo tudo o que pegam.

Sharma sustenta que a festa brasileira pode estar no fim porque depende da fartura de dinheiro e da demanda internacional por produtos primários: "Esse apetite global está começando a cair. Se o Brasil não tomar medidas para diversificar e expandir seu crescimento, brevemente cairá junto". Ele mostra que o crescimento da economia brasileira é medíocre, a indústria vai mal e os preços do andar de cima estão enlouquecidos.

O artigo é instigante quando sustenta que o Brasil é uma espécie de não China. Aqui busca-se a estabilidade econômica, lá, o crescimento; cá, o real está sobrevalorizado, lá, o yuan é barato. Pindorama tem juros altos e sua taxa de investimento está em 19% do PIB, enquanto o Império do Meio, com juros baixos, investe perto de 50%.

Segundo Sharma, o Brasil só evitará a próxima crise se abrir a economia, reformar a Previdência, mudar seu sistema tributário e, sobretudo, redimensionar suas políticas sociais.

"Foreign Affairs" é um púlpito nobre. Foi lá que o diplomata George Kennan publicou em 1947, sob o pseudônimo de Mr. X, o artigo "As Bases da Conduta Soviética", ensinando que o comunismo deveria ser contido politicamente.

A credencial de Sharma é sua posição no Morgan Stanley. Essas casas bancárias existem para ganhar dinheiro e suas competências são medidas pelos balanços, não pela qualidade de suas previsões públicas.

Em abril de 2002, durante a campanha presidencial, o banco rebaixou o valor dos papéis brasileiros e, em poucos dias, eles caíram de 79,21% do valor de face para 74,21%. Em maio, anunciou que os mesmos papéis valiam entre 79% e 81%. Quem comprou na baixa ganhou um dinheirinho rápido.

Ao pé do artigo de Sharma, a "Foreign Affairs" informa que o texto é uma adaptação de um capítulo de seu livro "Breakout Nations" ("Nações em Ascensão - Em Busca dos Próximos Milagres Econômicos"), cujo e-book está a US$ 12,99. Pela sua conta, o Brasil fica de fora.

Os problemas que ele apontou são reais, mas o coração de sua tese está lá: "Enquanto a China começa a estudar a criação de um estado de bem-estar social, o Brasil construiu um pelo qual não pode pagar". Nesse ponto, a opinião do autor deve ser medida pela sua experiência.

Sharma informa que há 15 anos passa uma semana de cada mês viajando por países emergentes, visitando o interior, rodando nas estradas.

De suas viagens pelo Brasil expôs um conhecimento estatístico sólido, mas, quando chegou à vida real, sobrevalorizou-se. Em alguns casos, com vinhetas folclóricas, pois pagar R$ 43 por um coquetel de champanhe com suco de pêssego a "uma garota de Ipanema" é coisa de otário.

Há endinheirados que se locomovem de helicóptero em São Paulo, e o tráfego desses engenhos surpreendeu David Rockefeller, mas dizer que "os CEOs das grandes empresas brasileiras desenvolveram um sistema de transporte alternativo" é forte.

Em outros casos, exagera: um apartamento no Leblon pode estar a preços absurdos, porém não custa mais que outro com vista para o Central Park de Nova York. Um banqueiro não pode dizer que depois do "cruzeiro" o Brasil teve uma moeda chamada "cruzero". Até aí, diga-se que se está procurando pelo em ovo. Contudo, ele informa o seguinte:

"O maior responsável pelo controle da hiperinflação foi Fernando Collor de Mello, que em 1994 acabou com a criação de novas moedas criando o real, atrelado ao dólar".

Collor saiu do governo em 1992. Fernando Henrique Cardoso, como ministro da Fazenda, criou o real em 1994, e ele não foi "atrelado ao dólar."

A "Foreign Affairs" já teve melhores editores.

UM BOM EXEMPLO QUE VEM DA CHINA

A China resolveu criar um banco de dados público arrolando todas as empresas investigadas por corrupção. No ano passado, segundo o governo, foram fiscalizados 25 mil casos de propinas. Lá, o jovem filho de Bo Xilai joga polo, mas papai foi frito e mamãe está presa.

Um conhecedor das relações do Estado brasileiro com fornecedores de serviços e contratos sugeriu a criação de um painel com cinco lâmpadas. A saber:

1) Uma luz acende-se quando o serviço foi contratado sem licitação.

2) A segunda lâmpada indicará quando, tendo havido licitação, o preço oferecido ficou abaixo do mínimo.

3) A terceira informa quantos aditivos o contrato recebeu e sua percentagem em relação ao valor inicial.

4) A quarta pisca indicando os atrasos na conclusão das obras ou nos fornecimentos.

5) A quinta indica a percentagem de obras ou serviços abandonados.

Com três lâmpadas acesas, pode-se chamar o Ministério Público. Com quatro, a Polícia Federal. Se acenderem as cinco, só resta chamar os bombeiros.

BEM-FEITO

Um turista acidental do Palácio do Planalto ouviu um destampatório da doutora Dilma numa conversa com um de seus ministros. Ficou horrorizado. Quando chegou em casa, foi estudar o caso e concluiu:

1) O moço queria dar uma lição de governo à doutora.

2) Tecnicamente, ela tinha razão e conhecia o assunto melhor do que ele.

CLASSIFICADOS

Para quem tem negócios com o governo e planeja comprar sapatos com saltos stiletto de Christian Louboutin ou garrafas de vinho Cheval Blanc da safra de 1947, uma sugestão de segurança patrimonial:

A fabricante dos celulares GSM botou no mercado o aparelho Enigma E2 que se diz 100% à prova de escuta. Sai por R$ 4.000 e sua criptografia funciona quando ele fala com outro da mesma marca.

Paulo César Farias, o grão-vizir do collorato, achava que podia apagar o disco de seu computador com um simples comando. Carlinhos Cachoeira acreditou na proteção dos celulares Nextel habilitados nos Estados Unidos. Deram-se mal.

BIBLIOGRAFIA

Pelo andar da carruagem dos grampos de Carlinhos Cachoeira, faria bem aos ministros das altas cortes de Brasília passar os olhos pelo que aconteceu com o juiz Abe Fortas, da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Em 1968, o presidente Lyndon Johnson anunciou sua decisão de nomear o amigo Abe, que estava na corte, para presidi-la. (Lá a função é vitalícia.) Descobriu-se que Fortas recebera US$ 20 mil de um milionário delinquente por serviços jamais especificados. Ele foi obrigado a renunciar e, mais tarde, apareceu um grampo mostrando que Fortas batalhara pelo patrono na Casa Branca.

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