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Sem medo de ser de esquerda ou de direita

Dois lançamentos do selo editorial Três Estrelas trazem um ensaio e depoimentos que lançam combustível na antiga polêmica

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DE SÃO PAULO

Chegam às livrarias dois lançamentos do selo editorial Três Estrelas que fornecem combustível para a ancestral polêmica entre esquerda e direita, renovada, nos últimos anos, no Brasil e em outros países, a despeito dos vaticínios sobre o fim da história e o declínio dos grandes sistemas ideológicos.

Em "Por que Virei à Direita" (111 páginas, R$ 25), três intelectuais revelam os motivos que os levaram a aderir ao pensamento conservador. São eles João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé e Denis Rosenfield.

Os dois primeiros assinam colunas na Folha e o terceiro colabora com diversos veículos, além de editar a revista "Filosofia Política".

Trafegando em sentido contrário ao da trinca liberal, Vladimir Safatle, professor de filosofia da Universidade de São Paulo (e também colunista da Folha) assina o ensaio "A Esquerda que Não Teme Dizer Seu Nome" (87 páginas, R$ 19,90) -no qual reafirma princípios da tradição marxista e discute sua renovação na cena contemporânea.

No primeiro volume, o tom é de depoimento pessoal. A conversão ao ideário conservador é narrada à luz de propensões subjetivas e experiências vividas pelos autores.

EXPERIÊNCIAS

É assim que Coutinho começa por lembrar, em tom de ironia, que virar à direita "acontece nas melhores famílias": "Aconteceu na minha. Eu tentei. Juro que tentei".

Na mesma linha vai Pondé, que abre seu ensaio com referências ao meio familiar: "Cresci num ambiente secular. O ateísmo ou as questões relacionadas a Deus sempre foram servidos por minha família no café da manhã".

Já Rosenfield inscreve sua rejeição à esquerda no contexto político de sua Porto Alegre. Recorda-se de quando visitou, em companhia do filósofo Cornelius Castoriadis (1922-1997), uma reunião do incipiente Orçamento Participativo, experiência que, em sua opinião, a burocracia partidária petista desvirtuou ao chegar ao poder por "aspirar ao monopólio burocrático de todos os trabalhadores".

Da vivência pessoal passam os três ao plano abstrato dos conceitos para esgrimir, com base em autores como Edmund Burke (1729-1797), Michael Oakshott (1901-1990) ou Raymond Aron (1905-1983), ideias sobre a primazia dos direitos individuais; as diferenças e assimetrias características da natureza humana; a falácia das utopias políticas coletivas e igualitárias; a preferência pelo Estado mínimo; e a superioridade do sistema de pesos e contrapesos da democracia ocidental.

DEMOCRACIA DIRETA

No outro pólo, Safatle, em ensaio propositivo, defende que a esquerda abandone as camuflagens e assuma com clareza que sua agenda consiste em superar a democracia parlamentar por meio da adoção de mecanismos de participação direta.

Igualitarismo e soberania popular são, a seu ver, os valores que não podem ser abandonados.

O autor faz uma crítica pela esquerda ao petismo, considerando que o governo Lula acertou ao colocar a questão social no centro das preocupações e ao revalorizar o Estado como agente político, mas pecou ao não conseguir se libertar do presidencialismo de coalizão característico do sistema político nacional.

Nem sempre, é bom que se diga, estamos diante de alinhamentos automáticos e posições inflexíveis.

Safatle, por exemplo, mostra-se um crítico do multiculturalismo, enquanto Coutinho diz preferir um esquerdista moderado a um direitista reacionário.

No alargamento dessa fresta coloca-se, aliás, Marcelo Consentino, autor de uma interessante apresentação de "Por que Virei à Direita", na qual termina por defender a maltratada atitude "muro" -ou seja, a de quem, como ele, decide caso a caso, palmo a palmo e segundo as circunstâncias o que parece melhor para o bem público.

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