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Entrevista da 2ª / Luiza Helena Trajano

É preciso facilitar a vida dos que têm dívida no cartão

PRESIDENTE DO MAGAZINE LUIZA DIZ QUE AINDA HÁ ESPAÇO PARA AUMENTO DO CONSUMO NO PAÍS E QUE O VAREJO JÁ GANHOU MUITO COM JURO ALTO

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

O segundo semestre deve ser melhor. Mas é preciso baixar os juros e criar algo para facilitar a vida de quem está endividado com cartão de crédito e cheque especial.

A avaliação é de Luiza Helena Trajano, 62, presidente do Magazine Luiza.

"Houve excesso de facilidade no cartão, e a população se endividou um pouco mais. A inadimplência ainda assusta." Para ela, há espaço para o aumento do consumo.

Luiza diz que o recente prejuízo registrado pela rede foi reflexo das ações de crescimento. Prevê avanço de dois dígitos na receita deste ano.

Nesta entrevista, concedida no seu escritório, na marginal Tietê (SP), ela afirma não temer a desnacionalização do varejo. Emocionada, fala da morte do marido. "O que me salvou foi a paixão que eu tenho pelo trabalho."

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Folha - Como está a conjuntura?
Luiza Helena Trajano - O consumo interno é muito grande. Mais de 100 milhões de brasileiros entraram para a economia e mais vão entrar.
Mas não tem jeito de não ser contaminado pela economia global. Antigamente, quando alguém espirrava, íamos para a UTI. Hoje eles estão na UTI, nós no hospital.

Como está esse hospital?
Não é uma economia em desenvolvimento total; é de altos e baixos. Mas, diferentemente de outros países, temos consumo. Só 7% têm TV de tela plana; 45% não têm máquina de lavar automática.
Mas, com a crise global, há uma insegurança. Tivemos o dólar desvalorizado, o que atrapalha. Se valorizar demais, também atrapalha.

O que esperar para este ano?
Vamos ter um primeiro semestre mais difícil. É uma desaceleração. Como se estivéssemos a 80 km/h e agora estamos a 70 km/h. Antes nem pisávamos no acelerador.
Se não houver nenhum fato externo ou interno muito sério, teremos um segundo semestre muito melhor do que no ano passado.

O que achou das medidas do governo?
A população ainda tem um pouco de dívida, que está acabando. O acerto da dívida e a baixa de juros e de impostos vão ajudar. A inadimplência ainda assusta. Há gente para comprar a crédito. Neste momento, os bancos, com razão, com medo da inadimplência, seguram o crédito. Houve excesso de facilidade no cartão.

O modelo de estímulo pelo consumo está esgotado?
Existe um consumo retraído ainda. É preciso criar alguma coisa para facilitar quem está endividado com cartão de crédito e cheque especial.
O juro é muito alto. Temos que contribuir para não termos inflação. O momento vai exigir um espírito de cidadania, não de curto prazo.

A sra. vê a ascensão da classe média?
Tem muito espaço ainda. Mas ela também preza muito o seu nome. Ela se endividou, mas não quer ficar com o seu nome no SPC, no Serasa. Há um desaquecimento, o pessoal põe suas contas em dia, volta a comprar de novo.

Em que fase estamos?
Automóvel foi vendido a prazo muito longo. Vai demorar um pouquinho mais. Mas no varejo (geladeira, TV) o prazo médio não passou de oito meses. Então é uma dívida que vai ser logo liquidada.

O que mudou após aquela reunião de Dilma com os empresários, na qual a sra. estava?
Temos mercado e é preciso baixar o juro. A presidente sabe que o "custo Brasil" é alto, que os impostos são altos.

Mas a sra. está investindo mais, como pediu Dilma?
O Magazine não parou de investir. Em 2011, compramos duas redes. Neste ano, não vamos comprar redes, mas vamos crescer em 50 lojas.

A sra. vai contratar?
Cada vez que há aumento de lojas, aumenta gente. Vamos inaugurar mais de 20.

O balanço do primeiro trimestre acusou prejuízo. Está relacionado com a entrada em SP?
A entrada em São Paulo está totalmente consolidada e estamos muito felizes. Hoje, a região da Grande São Paulo é quase 20% da rede. Depois compramos a rede no Nordeste [Lojas Maia] e o Baú.
Já fizemos o que prometemos de crescimento para os investidores. O problema é que, quando se compra uma rede, no primeiro e no segundo ano há um descasamento do lucro, pois é preciso investir. O resultado foi reflexo das nossas ações de crescimento.
Se não tivéssemos feito isso, não estaríamos com o faturamento que temos. Neste ano estamos muito focados em resultado a curto prazo.
O primeiro trimestre ainda sofreu o efeito do ano passado. O segundo, o terceiro e o quarto vão ser bem diferentes. O faturamento vai ter um crescimento de dois dígitos, sem comprarmos redes.

Como está a questão do convite para ser ministra?
Sempre tive como missão de vida a pequena e a microempresa. É onde está o grande emprego. A presidente me convidou para ser ministra. Acontece que o ministério não saiu ainda. Fiquei muito honrada com o convite.

E o ministério vai sair?
Não sei. Na hora certa vou ter que ver o que posso largar da minha empresa ou não.

Como a sra. analisa a desnacionalização do varejo, como no caso do Pão de Açúcar?
Tenho certeza de que os franceses vão pensar muito antes de tirar um brasileiro do comando de uma empresa que vai bem. Conhecer a economia do Brasil não é fácil.
Há quantos anos o sr. Abilio Diniz está tocando isso com sucesso, gerando emprego? Acho que eles vão se acertar, fazer o que é melhor. Acredito que os franceses não vão levar para a rixa pessoal.

A sra. teme essa desnacionalização?
Não. A presidente não vai proteger a empresa brasileira, criar barreiras. Mas vai defender a indústria, facilitar para que ela tenha competitividade em tributos, juros, empréstimo, produtividade.

A sra. ficou abalada por ter pedido oportunidades de compra, como o Ponto Frio?
Fiquei. Abilio foi mais experiente. Eu nunca tinha comprado um negócio grande. No [caso] Ponto Frio, na época, o Magazine não estava preparado financeiramente. O faturamento que esperávamos ter com o Ponto Frio já temos agora.

Como a sra. avalia a posição de Dilma ante os bancos?
Ela não está brigando com os bancos, mas está brigando para que os juros baixem, o que é uma vontade de todos nós e dos próprios bancos. Não há desenvolvimento com juros e tributos altos.

O que a sra. acha dos bancos no Brasil?
Estão muito na frente, em organização, estruturação, tecnologia. Temos ainda um espírito de inflação e juro alto.

Eles ganham demais?
No Brasil, parece que ganhar é pecado. Eles tiveram um momento áureo e agora vão ter que redirecionar. Outras áreas também ganharam. Não gosto de criticar quem está ganhando.
Lógico que quem está ganhando tem que ter a consciência de que todos têm que ganhar juntos, senão, um dia, a corda estoura. Sou muito orgulhosa da estrutura bancária do Brasil. Não estou culpando os bancos. Não gosto de juro alto. Apesar de o varejo ter ganhado dinheiro muitas vezes no financeiro.

O que a sra. acha do empresariado nacional?
Há uma mudança de mentalidade, de não pensar só no quintal. Não tem jeito de ir bem onde tem desemprego e desigualdade muito grande.

Mas a política dos últimos anos não levou muitos empresários a vender seu negócio e aplicar no mercado financeiro?
Nenhum empreendedor vendeu a empresa porque quis. Não é só o dinheiro a juro que ele quer. É porque chega a um impasse: ou vende ou cresce. Há momentos em que é difícil crescer. Ainda é preciso ter mais recursos para o médio empresário dar um grande salto para ser grande.

Aí entra o papel do BNDES? O Magazine usou seus recursos.
Muito pouco. O BNDES é muito formatado para a indústria. Nos últimos dois anos tentou fazer um trabalho para o pequeno e para o varejo. Mas é preciso ser mais veloz. O BNDES tem de pegar a economia como um todo.

O que dá mais dor de cabeça?
Todo mundo fala que lidar com pessoas é difícil, mas, para mim, não. Eu sofro muito por uma doença incurável, quando perdi meu marido.
O que me deixa mais assim é quando existe uma queda do mercado e se estava com outra expectativa. Quando você acelera, você prepara a empresa para vender mais. Quando desacelera, você não quer mandar gente embora.

Isso está acontecendo agora?
Não, mas você se preocupa se não cobre aquele faturamento. Qualquer coisa afeta o lucro do varejo.

O que lhe dá prazer?
É ver os meus filhos fazendo história e não sendo espectadores da história. O que me deu tristeza foi quando perdi o meu marido de repente, faz dois anos e pouquinho. O que me salvou foi a paixão que eu tenho pelo trabalho.

A sra. pensa em ter uma carreira política?
De jeito nenhum. Posso ajudar sendo uma gestora, levando a minha experiência de gestora para o governo.

Além de trabalhar, o que a sra. gosta de fazer?
Tenho muitos amigos, uma casa na represa [em Franca, SP]. Sou ótima para pilotar lancha e adoro nadar.

A sra. já sentiu preconceito por ser mulher no mundo dos negócios?
Nunca me deixei [sentir]. O preconceito está dentro de você. Lógico que eu sabia que era mais testada. Mas nunca fiquei com dó de mim. Mas ainda hoje a mulher ganha menos, tem poucos cargos de topo. É bom ter uma presidente mulher.

A sra. se considera rica?
Não. Sou rica do que eu gosto, do que eu quero. Nunca tive vontade de ter o que eu não posso.

O que a sra. acha desse movimento no exterior para elevar o imposto dos mais ricos?
Concordo. Podem até ficar brabos comigo. Mas eu sou muito a favor da igualdade social. Acho que quem pode mais tem que pagar mais.

FOLHA.com
Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no1096233

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