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Análise

Escuta ajuda investigação, mas esbarra no direito à privacidade

JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Toda decisão judicial esconde e revela um grande debate nacional. Um desembargador decidiu que as escutas nos telefones do caso Cachoeira são ilegais. Como não se condena com provas ilegais, o processo vai acabar.

É como se o que sabemos sobre Carlinhos Cachoeira nunca tivesse existido. Ou melhor, existiu no mundo real, mas não no legal. É assim que a justiça funciona?

De um lado o dever da polícia, do Ministério Publico e dos juízes de combater crimes. De outro, a defesa da privacidade não de Cachoeira, mas de todos os cidadãos.

Até onde se justifica a autoridade pública invadir nossos telefones e e-mails? Qual o limite? Pode-se escutar com base em denúncia anônima, notícia ou sem indícios suficientes de crime?

Uma vez um traficante foi preso com cocaína com base em escuta que o Supremo Tribunal Federal considerou ilegal. Mandou soltar. O processo foi anulado. Aí um ministro perguntou: devolvemos a cocaína ao traficante? Afinal, ele é o dono e o processo nunca existiu? A corte teve que amortecer sua posição.

Para a interferência na privacidade, a decisão de escutar não pode ser tomada por uma só autoridade. A polícia, o Ministério Público e o juiz acharam que a denúncia tinha indícios suficientes para autorizar a escuta. O desembargador acha agora que não.

Indício, diz o dicionário, é sinal aparente de algo que existe. O juiz achou que havia desde o início aparência de ilícitos. Seu cálculo de probabilidade parece se confirmar. Mas o desembargador acha que os indícios só se confirmaram após a escuta.

Vivemos hoje a era dos poderes desiguais. Ninguém é super-homem sozinho para enfrentar poderosos. Há que distinguir o anonimato difamatório do anonimato contra poderosos e que busca defender a moral pública. Aquele a ser repudiado.

Notícias de jornais têm sido mais fonte da defesa da moralidade pública do que de difamações irresponsáveis. Não podem ser ignoradas.

Se houver provas além da escuta e o anonimato for de interesse público, dificilmente o processo será anulado. Os tribunais superiores julgarão com base no conjunto de probabilidades de ilícitos.

Mas a questão fica no ar. Os brasileiros estão dispostos a abrir mão de parte de sua privacidade para uma maior eficiência no combate à corrupção e ao crime?

JOAQUIM FALCÃO é professor de direito constitucional da FGV Direito-Rio.

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