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Folha Transparência

Órgão da ditadura investigou bens de JK, Jango e Ulysses

Comissão de Investigações fez ações sumárias e focou em adversários do regime

Cerca de 25 mil pessoas, empresas e entidades foram alvos, mostram documentos abertos pelo Arquivo Nacional

RUBENS VALENTE
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BRASÍLIA

Um dos mais bem guardados acervos da ditadura, os arquivos da Comissão Geral de Investigações, que investigou cerca de 25 mil pessoas, empresas e instituições, foram abertos pelo Arquivo Nacional após três décadas.

Vinculada ao Ministério da Justiça, a CGI foi criada em 1968 e extinta em 1979.

Formada por oficiais das Forças Armadas, funcionou como um tribunal sumário, capaz de, por um simples ofício, bloquear bens e quebrar o sigilo bancário e fiscal dos investigados sem passar por um juiz ou um procurador.

O ônus da prova, ao contrário do que ocorre hoje, cabia aos alvos das apurações.

A comissão montava os chamados PIS (Processos de Investigação Sumária), sempre sigilosos, que muitas vezes funcionaram, na prática, como máquina de perseguição política a opositores da ditadura militar (1964-1985).

Um "Sistema CGI", que envolvia subcomissões nos Estados vinculadas ao órgão central, foi criado logo após a edição do AI-5 (Ato Institucional), o maior pacote de decisões do ditadura no sentido de tolher liberdades civis.

Foram investigados pela CGI os ex-presidentes João Goulart (1919-1976) e Juscelino Kubitschek (1902-1976), o ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães (1916-1992) e o ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola (1922-2004), dentre centenas de políticos.

O acesso irrestrito aos papéis da CGI, que desde 2006 está sob a guarda do Arquivo Nacional, em Brasília, sempre foi cobiçado pelos historiadores -que até hoje pouco escreveram sobre ela.

A consulta não era liberada sob alegação de conter informações pessoais: apenas os próprios investigados, ou terceiros por eles autorizados, podiam ver o material.

Essa regra foi revogada após a aprovação da nova Lei de Acesso à Informação.

Os documentos revelam que a vida patrimonial de Goulart, deposto pelo golpe de 1964, foi devassada de 1942 a 1969, o que resultou num estudo de 300 páginas.

DEVASSA

Nele, os militares se esforçam para apontar um suposto enriquecimento ilícito de Goulart. A principal suspeita dizia respeito a uma fazenda que teria sido adquirida por Goulart nos anos 50, mas só teria sido declarada ao Imposto de Renda oito anos depois.

O próprio estudo, entretanto, reconhece que na época da compra da fazenda havia uma lei segundo a qual apenas as propriedades rurais "efetivamente" exploradas deveriam ser declaradas ao IR. O processo acabou sendo arquivado em 1978, dois anos após a morte do ex-presidente.

O professor da Universidade Federal Fluminense Jorge Ferreira, autor da biografia "João Goulart" (Civilização Brasileira), disse que os documentos citados pela Folha são inéditos e representam "importante contribuição para se entender como os regimes autoritários investigam a vida das pessoas sem que elas tenham a menor ideia disso".

Segundo Ferreira, "a ditadura fez vários processos contra Goulart, e nenhum deles foi comprovado".

O processo contra Ulysses também acabou arquivado. O fundador do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) foi acusado de receber apoio de servidores do Fisco em benefício de sua candidatura à Câmara, nos anos 50.

Ulysses apresentou uma decisão judicial que já o havia absolvido dessas acusações.

Juscelino Kubitschek foi alvo de vários processos sumários na CGI, mas todos terminaram arquivados. Em um deles, o dono de uma empreiteira que participou da construção de Brasília, segundo um depoimento anexado na investigação, admitiu ter dado um terreno de "presente" ao ex-presidente -o que JK argumentou então não ser ilegal.

Os papéis registram que suas propriedades chegaram a ser confiscadas por ordem da comissão. O bloqueio acabou sendo revogado e JK nunca foi condenado na Justiça. A Folha não localizou ontem familiares dos três políticos.

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