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Entrevista - Kátia Abreu, 50

'PSD não está a serviço da carreira pessoal de Kassab'

Senadora afirma que prefeito de sp conduz o partido com 'centralismo e autoritarismo' e diz que não descarta deixar a legenda caso não sejam feitas 'modificações profundas'

ANDRÉIA SADI
DO PAINEL, EM BRASÍLIA

Protagonista da primeira crise do PSD, a senadora Kátia Abreu (TO) diz que o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, conduz o partido à base de "centralismo e autoritarismo'' e critica a intervenção para que a sigla apoiasse o PT em Belo Horizonte.

Cortejada pelo PMDB, a senadora afirma que o momento é de trabalhar pela democracia interna do PSD, mas não descarta deixar o partido se a situação piorar.

Leia a seguir os principais trechos de entrevista concedida à Folha.

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Folha - A senhora está no centro da primeira crise do PSD. Como fica seu embate com o prefeito Gilberto Kassab?

Kátia Abreu - Na verdade, não é o primeiro embate entre mim e Gilberto Kassab.

Nós estávamos no DEM e tivemos um rompimento muito sério, porque um grupo que assumiu o partido começou a tomar decisões monocráticas, diferentemente de como era antes, com o [ex-senador] Jorge Bornhausen. Eu me escolarizei com essa prática: caía pau, pedra ou canivete, mas a reunião da Executiva acontecia no tempo do Bornhausen.

Resisti muito no início. Quando Kassab disse que ia fazer uma fusão com o PSB, eu recusei. Depois, ele me garantiu que seríamos um partido que exerceria democracia interna. Esta tese foi usada com todos membros do partido, até porque a reclamação era essa: caciquismo partidário. Eu jamais pude imaginar que Kassab seria assim.

Não sabiam que ele centralizaria o comando do partido?

Sinceramente, eu não sabia. E espero que não continue sendo assim. Que esse erro cometido agora [em Belo Horizonte] sirva para corrigir rumos e não para fortalecer a prática abominável e autoritária de intervir por decisão própria de um líder.

Também me magoou muito a saída do Roberto Brant [o ex-deputado federal era segundo vice-presidente do PSD]. Perder alguém do nível dele, com o caráter e o preparo intelectual, é incalculável.

O Kassab não se importou com isso quando foi a Belo Horizonte e não fez um telefonema a ele.

Quantas vezes a Executiva do PSD se reuniu?

Nós só tivemos uma reunião da Executiva e nunca mais. Isso tem mais de um ano. De lá para cá, tivemos várias oportunidades de debates em que poderíamos contribuir para o país e estivemos ausentes. Estamos em meio a uma crise grave econômica e o que o PSD pensa?

Nós tivemos anteontem [quarta-feira] uma confraternização. Somos quase 50 membros, compareceram menos de 15 pessoas.

O prefeito foi?

Não sei, eu também não fui. Estou desestimulada e triste com o partido. Acreditei e ainda acredito que possamos fazer algo diferente. Se o prefeito tem outra ideia, ele não me comunicou quando me convidou para o partido.

Espero que ele retome os rumos e retire a sede de São Paulo. Esse é um partido nacional. Se o prefeito tem dificuldades porque está no Executivo, ele que encontre outra solução. Mas, por conta de suas dificuldades, o partido não pode ficar prejudicado.

Além do caso de Belo Horizonte, quais outras negociações a incomodaram?

Teve o projeto de São Paulo. O PSD não é só paulistano, mas o prefeito pratica política em São Paulo. Aquela dubiedade de um dia apoiar o PT e, no outro, apoiar PSDB.

Quero ressalvar minha admiração pelo José Serra. Não é nada pessoal, nem contra Fernando Haddad, foi apenas a mudança em poucas horas que me incomodou.

Dois dias antes, ele [Kassab] me chamou tentando me convencer que o partido deveria estar com o PT.

Dois dias depois, ele decidiu apoiar o José Serra sem falar com ninguém.

Não houve nenhuma reunião para discutir isso?

Sem comunicar absolutamente nada nem reunir o partido, ele decidiu apoiar o Serra. Argumentou que era uma questão paulista.

Tá bom. E agora, o assunto é mineiro. Não é o fato de Belo Horizonte e nem estou defendendo interesses de Aécio Neves. Admiro o senador, mas estou defendendo os interesses do meu partido. Foi uma atitude arrogante, contrariando o estatuto do partido e de forma truculenta.

A sra. teve alguma resposta à carta enviada ao prefeito após a intervenção em BH?

Não, nenhuma. Eu me mantenho em dissidência e o que poderia reverter isso seria o partido se reunir e firmar compromisso de que intervenções só poderão ocorrer por decisão da Executiva.

Qual a razão dessa falta de interlocução interna?

Centralismo e autoritarismo político. Isso não faz bem para um partido que veio não para servir um cidadão, mas para servir a um grupo e ao país. O prefeito Kassab acha que o PSD está a serviço de sua carreira pessoal, e não está. Todo mundo quer um papa para chorar e o partido está sem papa.

A sra. enxerga, a médio prazo, uma troca na direção do partido?

Não analisei essa situação. Quando o partido foi criado, Kassab ficou como presidente. Foi até considerada a hipótese de eu ser a presidente e ele virou porque foi quem liderou o processo da construção, mas não existe internamente esta discussão.

A sra. vai apoiar a reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014?

Não apoiei a presidente na outra eleição, e até fico mais à vontade para elogiá-la. Não posso decidir sozinha pelo partido -ainda faço parte dele- em relação às eleições presidenciais. Dizer que sou contrária às práticas da presidente atual não é verdadeiro.

Ela foi eleita por uma base chefiada pelo PT, mas não governa para esta base. Dilma não apoia a ala revolucionária do partido e sua origem é no PDT. Ela tem se mostrado isenta e com práticas de estadista. Isso será decidido pela maioria partidária.

Mas o que se ouve é que, passada as eleições, o PSD vai negociar uma pasta no governo.

Eu fico me lembrando de vários episódios em que Kassab declarou à imprensa que não aceitaria ser ministro do governo até 2014. Não sei se ele mudou de ideia, porque o partido não se reúne para conhecermos essas pretensões.

Espero que antes de qualquer decisão sobre participação no governo Dilma a gente se reúna e decida de forma colegiada, na Executiva.

A sra. foi convidada pelo vice-presidente, Michel Temer, para se filiar ao PMDB. Vai aceitar?

Eu prefiro, neste momento, lutar para que haja modificações profundas dentro do partido, estou pedindo que seja instaurada a prática prometida de democracia interna, de que seríamos independentes até 2014.

Prefiro que isso seja estabelecido antes de pensar em sair, mas não gostaria de fechar portas. Se isso não acontecer, preciso discutir com o meu grupo o que fazer no futuro.

Não quero ficar em um espaço apenas para sobrevivência. Nem que para isso eu precise sair do PSD e ficar sem partido por um tempo. Se as práticas não forem modificadas, se esse centralismo não for superado, eu sinto muita dificuldade em ficar.

Qual o futuro a senhora, oriunda do DEM, enxerga para a oposição, hoje enfraquecida?

A oposição precisa existir, mas não pode ser oposição a princípio. Precisa fazer oposição correta. Vou fazer oposição só para ser radical? Vamos repetir o que o PT fez no passado, quando se recusou a assinar a Constituição? Eu chamei a atenção para isso muitas vezes.

A oposição precisa ser feita naquilo que for correto se opor, e não de forma sistemática, como uma empresa de demolição, apenas para se manter no status quo.

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