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Mensalão o julgamento

Deus não existe

Apesar de derrotado por 9 a 2 no primeiro dia do julgamento do mensalão, criminalista reverenciado pelos colegas como 'God' conseguiu ganhar tempo e pôs em risco um voto considerado certo para a condenação dos réus

Pedro Ladeira/Frame/Folhapress
Thomaz Bastos no plenário do STF, no primeiro dia do julgamento do mensalão
Thomaz Bastos no plenário do STF, no primeiro dia do julgamento do mensalão

MARIO CESAR CARVALHO
DE SÃO PAULO

Os mais apressados cravaram: foi uma derrota. Mas no final a goleada de 9 a 2 poderá se revelar uma vitória.

O advogado Márcio Thomaz Bastos perdeu por esse placar no primeiro dia do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal, na quinta-feira, ao propor a divisão do processo para que os réus sem mandato fossem para a primeira instância.

Mas um dia a mais pode separar a derrota da vitória, na visão dos advogados.

O objetivo não revelado de Bastos ao propor o desmembramento do processo, segundo a Folha apurou com seus colegas, era ganhar tempo para evitar pelo menos um voto certo pela condenação dos réus: o do ministro Cezar Peluso, que se aposenta compulsoriamente em 3 de setembro, quando fará 70 anos - limite de idade no tribunal.

O sonho é fazer com que o julgamento não acabe antes das eleições municipais de 7 de outubro, para evitar o dano que eventuais condenações poderão causar ao PT.

"Não houve derrota. Ele não perdeu a bala de prata. Era uma questão preliminar, estritamente processual", afirma Alberto Toron, um ex-discípulo de Bastos que agora defende o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) no processo do mensalão.

O também criminalista Roberto Telhada, parceiro de Bastos em dezenas de casos desde os anos 90, diz que sua iniciativa não pode ser vista como uma mera chicana -o jargão que designa tentativas de retardar uma ação judicial com recursos processuais.

"Ele é um estrategista extraordinário e usa todas as possibilidades e brechas da lei", afirma. "Isso é legítimo."

Ministro da Justiça no governo Lula, Bastos, 77, é considerado o principal criminalista em atividade hoje no país. No mensalão, ele defende o ex-vice-presidente do Banco Rural José Roberto Salgado. Sua influência no processo pode ser medida de várias maneiras, e não apenas pelo que fez na semana passada.

Ele é consultado pelos colegas o tempo todo. Na sexta-feira, liderou um movimento para que os advogados se recusassem a iniciar suas apresentações no mesmo dia se o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encerrasse a sua exposição a tempo.

Amigos dizem que foi dele a ideia de caracterizar a distribuição do dinheiro do mensalão ao PT e seus aliados como mero caixa dois de campanha, uma infração menor do ponto de vista legal. Outros advogados atribuem a tese a Arnaldo Malheiros Filho, o advogado do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares de Castro, outro réu no processo.

A mesma estratégia foi usada há quase duas décadas, quando o então prefeito Paulo Maluf (1993-1996) foi acusado de superfaturar a construção do túnel Ayrton Senna. Bastos teria ajudado a CBPO, uma das empreiteiras responsáveis pela obra, a criar a tese. Com a confissão de caixa dois, a CBPO foi multada pela Receita, mas escapou de acusações mais graves, como corrupção e lavagem de dinheiro. Maluf nega qualquer desvio nas obras do túnel.

Bastos teve duas escolas: a política na provinciana Cruzeiro (SP), onde foi vereador pela Arena, o partido que apoiava a ditadura militar, e os tribunais do júri. Ele já atuou em mais de mil casos, de acordo com suas contas.

Sua especialidade no início eram os crimes de sangue. Um de seus casos mais célebres é de 1981, quando atuou na acusação contra o cantor Lindomar Castilho, que matou a mulher, Eliane de Grammont, com cinco tiros. Bastos conseguiu desfazer a ideia hegemônica à época de que o ciúme era atenuante em crimes passionais. Foi uma guinada jurídica e uma vitória histórica para as feministas.

Mais tarde, trocou os crimes de sangue pelos casos políticos. Não fazia distinções ideológicas. Defendeu Lula quando era líder sindical, numa época em que tinha clientes detestados pelos petistas, como o senador Antonio Carlos Magalhães, o ex-governador Orestes Quércia e o banqueiro Angelo Calmon de Sá.

A amizade com Lula levou-o para o Ministério da Justiça, onde ficou de 2003 a 2007, ajudou o então presidente a se defender durante a crise do mensalão e influiu no processo de seleção de 5 dos 11 ministros que participam do julgamento do caso no STF.

Thomaz Bastos temia perder seus clientes endinheirados ao deixar o governo e voltar à advocacia, mas ocorreu o contrário. Seu escritório continuou cheio. Lula ligou para ele na última quinta-feira para lhe desejar boa sorte.

Alguns de seus amigos se disseram surpresos com o apelido reverente que seus colegas começaram a usar ao se referir a ele nos últimos dias: "God", Deus em inglês.

O responsável pelo apelido foi o advogado José Luís Oliveira Lima, que defende o ex-ministro José Dirceu. Para alguns amigos, é tudo invencionice da mídia. "Nunca vi ninguém chamá-lo assim", diz Telhada. "Essa coisa de Deus não existe", diz Toron.

Se Bastos conseguir adiar o julgamento do mensalão para depois das eleições, a piada de ocasião pode ganhar ares de verdade -pelo menos para o PT e parte dos réus.

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