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Elio Gaspari

A ciência petista: quem é amigo de quem?

Uma MP do tipo 'aterro sanitário' criará reserva de mercado para os comissários das compras do SUS

Está na mesa da doutora Dilma, esperando sua assinatura, a medida provisória 563. É uma daquelas MPs do tipo "aterro sanitário", pois tem de tudo. Em tese, destina-se a estimular a indústria nacional. Na prática, distribui favores.

Chegou ao Congresso com uma lista de benefícios que ocupava duas páginas, e ficou com 14. Um dos enxertos, patrocinado pelo senador Romero Jucá por inspiração do Ministério da Saúde, dispensa de licitação a compra de "produtos estratégicos" para o SUS quando houver "transferência de tecnologia". Em bom português: dá ao comissariado o poder de atropelar o processo de transparência das compras.

O doutor Alexandre Padilha já se encrencou com contrato de compra de softwares portugueses que, entre outras coisas, serviriam ao gerenciamento do Cartão SUS. Vinha embrulhado na parolagem do "estratégico" e da "transferência de tecnologia". Exposto à luz do sol, o contrato foi suspenso e, logo depois, cancelado.

O artigo 73 da MP permitirá que o comissariado compre mercadorias para o SUS sem avisar ao público e sem explicar por que escolheu esta ou aquela empresa. Num exemplo hipotético, acontecerá o seguinte:

Admita-se que o SUS quer trazer uma nova tecnologia de remédio para hipertensão. Um laboratório sérvio desenvolveu um novo ingrediente, o "padilhol", capaz de melhorar o desempenho de um anti-hipertensivo. Já um concorrente croata produz o "padilhil" e diz que tem as mesmas qualidades.

O comissariado escolhe uma empresa de Ribeirão Preto que contratou a transferência da tecnologia do "padilhol" para vendê-lo ao SUS. Pela lei, o governo deve abrir uma licitação. Graças à MP 563, fica dispensado até mesmo de avisar a quem tem interesse no negócio, no exemplo, os croatas do "padilhil". Licitá-la, nem pensar. Se isso fosse pouco, enquanto durar o que se entende como "etapas de absorção tecnológica" (algo como um par de anos), a empresa de Ribeirão Preto ganhará o monopólio de fornecimento de um "padilhol" comprado na Índia. Algo como remunerar o pai porque o filho está na escola absorvendo conhecimento.

O que há de mais esquisito nessa operação é seu caráter secreto. Num negócio que, no futuro, poderá chegar a R$ 2 bilhões anuais, o comissariado decidirá, e está acabado. No mundo dos medicamentos conhece-se a formação de monopólios por meio do jogo de patentes. É um processo odioso, mas, bem ou mal, na sua origem houve algum tipo de pesquisa. O que se quer agora é a formação de um cartório de monopólios no qual se pesquisará apenas quem é amigo de quem.

MÃE DO PAC

A doutora Dilma faria um bem ao país se nomeasse uma Comissão da Verdade 2.0, destinada a investigar a construção de lorotas do governo.

Ela ficaria encarregada de explicar ao país como um trem-bala que foi anunciado em 2007 ao preço de US$ 9 bilhões hoje está estimado em US$ 16,5 bilhões.

Felizmente, as tentativas de atropelamento fracassaram, a ideia continua no papel e o Doutor Juquinha, primeiro tocador do projeto, passou algumas noites na cadeia.

Noutro caso, a Comissão 2.0 estudaria uma obra mais cabeluda, a da refinaria Abreu e Lima, da Petrobras.

Ela foi anunciada em 2005 por US$ 2,3 bilhões e agora estima-se que custe US$ 20,1 bilhões. Deveria operar em 2010 e ficou para 2014.

Como no caso da Comissão da Verdade 1.0, a 2.0 não buscaria punições, apenas o metabolismo das mentiras que impulsionam projetos e ruínas.

RECORDAR É VIVER

Existem no Brasil cinco escolas com o nome da menina Anne Frank, morta no campo de concentração de Bergen-Belsen em 1945.

A comunidade judaica brasileira promoveu a visita de suas diretoras à Holanda, onde elas visitaram a casa em cujo sótão a família Frank se escondeu durante mais de dois anos.

Além disso, as escolas são ajudadas com programas de capacitação.

Nunca é demais lembrar que, em 1961, o governador do Rio, Carlos Lacerda, deu o nome de Anne Frank a uma escola que fica ao lado do Palácio Guanabara, em frente à Embaixada da Alemanha.

OSSO DURO

A Ordem dos Advogados do Brasil marcou para novembro as eleições para suas 27 seccionais e pediu ao Tribunal Superior Eleitoral o empréstimo de 3.000 urnas eletrônicas. A ministra Cármen Lúcia, presidente do tribunal, indeferiu a solicitação.

A lei proíbe o empréstimo de urnas 120 dias antes e 120 dias depois da realização de eleições oficiais. Os doutores estão reclamando, mas podem tirar o cavalo da chuva.

Se ninguém consegue convencer a ministra a usar o carro oficial a que tem direito, dificilmente aparecerá quem a convença a emprestar o patrimônio da Viúva a quem não o tem.

Com seu Golf prateado (2001), ela já foi barrada na cerimônia em que daria posse a um novo ministro do Supremo.

BOA IDEIA

Surgiu uma boa ideia nas campanhas municipais. O petista Fernando Haddad quer criar os Bilhetes Únicos mensal e semanal na rede de ônibus de São Paulo.

O cidadão pagará entre R$ 140 e R$ 150 e durante 30 dias fará quantas viagens quiser.

Deve-se à gestão de Marta Suplicy a implantação do Bilhete Único, coisa que existia em diversas cidades do mundo e felizmente disseminou-se pelo país.

Admitindo-se que uma pessoa queime duas tarifas de R$ 3 por dia, com o Bilhete Único mensal a R$ 150, sua tarifa cairá para R$ 2,50, uma economia de R$ 30 por mês.

Enquanto isso, os transportecas do prefeito Gilberto Kassab, em vez de pensar em transporte mais barato, namoram a criação do pedágio urbano.

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UM CARDÁPIO DE CONDUTA PARA O PIANTELLA

Havia um botequim de Brasília chamado Tarantella, frequentado por oposicionistas como Ulysses Guimarães. Mudou o mapa do poder, ele cresceu e passou a se chamar Piantella. Tem piano, jirau, galeria de frequentadores ilustres e é um point da elite da cidade.

Seu dono, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é advogado de celebridades como José Sarney e Carolina Dieckmann.

Desde o início do julgamento do mensalão, o Piantella tornou-se um centro de eventos constrangedores, com um advogado de mensaleiro pedindo ao pianista que tocasse o tema de "Godfather" e Demóstenes Torres cantando "Deixe-me Tentar de Novo".

Houve um restaurante em Washington chamado "Signatures". Com sua galeria de autógrafos, entre eles um do czar Nicolau 2º, foi o point da era republicana.

Seu dono, Jack Abramoff, um grande lobista, acabou pagando 34 meses de cadeia, e o estabelecimento fechou em 2006.

Guimarães Rosa dizia que nas casas do Beco do Sem Ceroula "gente séria entra, mas não passa". Se a freguesia do Piantella não respeitar um cardápio de boa conduta, virará um lugar por onde gente séria passa, mas não entra.

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