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Entrevista da 2ª Heitor Martins

A reestruturação da Bienal é semelhante àquela que vem ocorrendo no Brasil

Às vésperas da 30ª edição da mostra de artes, presidente da fundação fala da crise que quase inviabilizou evento e questiona ausência de programa de mecenato a longo prazo

Lucas Lima/Folhapress
Heitor Martins, presidente da Bienal de São Paulo, no prédio projetado por Oscar Niemeyer
Heitor Martins, presidente da Bienal de São Paulo, no prédio projetado por Oscar Niemeyer

FABIO CYPRIANO
CRÍTICO DA FOLHA

Mais de mil estrangeiros ilustres foram credenciados para a abertura da 30ª Bienal de São Paulo, que abre amanhã para convidados e, na sexta, para o público.

Entre eles, estão o diretor do MoMA de Nova York, Glenn Lowry, o das britânicas Tate Gallery e Tate Modern, Nicholas Serrota, e o diretor do parisiense Georges Pompidou, Alfred Pacquement.

Há quatro anos, era impossível prever este cenário. A Fundação Bienal, logo após a Bienal do Vazio (2008), tinha mais de R$ 5 milhões de dívidas. Seu futuro era incerto.

"É a maior concentração de personalidades na Bienal", comemora Heitor Martins, presidente da fundação e, de certa forma, o responsável por sua ressurreição.

Em seus dois mandatos -o segundo se encerra agora em dezembro-, Martins e sua diretoria não só sanaram as dívidas como investiram mais R$ 5 milhões na modernização do histórico prédio projetado por Oscar Niemeyer.

Dos 35 funcionários, a fundação passou para 60. Antes, a maioria estava em cargos administrativos. Agora, a maior parte atua em atividades de produção e organização.

Tudo parecia perfeito até que o passado da instituição novamente levou a Bienal a uma crise. Suas contas foram bloqueadas devido a 13 processos de prestação de contas contestados pela Controladoria Geral da União.

Quase três meses depois, por uma ação na Justiça, a verba foi liberada.

Pelo estatuto da fundação, Martins não pode concorrer novamente à presidência. O nome que circula nos corredores da Bienal é o do empresário Luis Terepins, que faz parte da diretoria atual. "Somos um grupo e a força coletiva é o que permite avanços", diz Martins.

Para ele, a reformulação da Bienal tem relação direta com as transformações que o Brasil atravessa: "Essa casa era mais frágil. A equipe era menor, os processos eram menos profissionais e a estrutura, mais personalista -como tudo no Brasil!".

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Folha - A concentração de figurões entre os visitantes desta Bienal é fruto de uma boa mostra ou da ascensão do Brasil como uma forte economia global, inclusive nas artes?

Heitor Martins - Existe uma expectativa de estarmos diante de uma boa Bienal. A 29ª Bienal, depois de todo o período de turbulência dos anos anteriores, surpreendeu pela qualidade, atraiu a atenção da comunidade e se criou expectativa.

A 30ª é a primeira Bienal com um curador estrangeiro no sentido completo, que desenvolveu sua carreira fora do Brasil. E o fato de o Brasil estar num bom momento e os artistas brasileiros estarem despontando lá fora complementa esse cenário.

Você assumiu a Bienal há três anos e meio com uma dívida de R$ 5 milhões...

Sim, era uma dívida de R$ 5 milhões, sem recursos em caixa, e a instituição estava muito fragilizada. Criamos uma área de captação de recursos, fizemos investimentos em capacidades administrativas e financeiras. Desde a 29ª Bienal sabemos o quanto vai ser gasto em cada atividade.

Por que a Bienal estava numa situação tão precária?

Essa é uma instituição de 60 anos e, ao longo desse tempo, ela passou por fases de florescimento e de crise.

Os anos 1950 e 1960 foram incríveis e consolidaram a Bienal como uma das principais mostras do mundo.

Os anos 1970 foram difíceis devido ao regime militar. Naquele momento, a Bienal quase sumiu. A partir dos anos 1980, ela renasceu com mostras importantes.

O que se viu no final dos anos 1990 foi uma estagnação e o questionamento do modelo da Bienal, que começou muito personalista na figura do Ciccillo [Matarazzo, fundador da Bienal de São Paulo em 1951].

Os anos 2000 foram tumultuados nos projetos curatoriais e no modelo de gestão. Depois da 28ª Bienal [Bienal do Vazio], a sociedade apontou que a Bienal é importante para a cultura brasileira, o que criou condições para um processo de transformação.

A organização da 30ª Bienal foi surpreendida pelo bloqueio de suas contas. Como isso atrapalhou o evento?

Essa foi uma crise que diz respeito mais à instituição do que à 30ª Bienal. O curador e as demais equipes continuaram trabalhando. Por sorte, a crise aconteceu quando as equipes já estavam formadas. Fazendo um balanço, o impacto na mostra foi pequeno.

De que modo os 13 processos que você herdou, e que bloquearam as contas da fundação, foram causados por gestões personalistas?

O Brasil como um todo está mudando e não é mais o país de 2010 ou do início dos anos 2000. O mesmo processo de reestruturação que fizemos aqui ocorreu em outros setores e até no próprio governo.

Essa casa era mais frágil. A equipe era menor, os processos eram menos profissionais e a estrutura, mais personalista -como tudo no Brasil! É um processo de amadurecimento geral.

Os 13 processos representam R$ 30 milhões. Isso compromete o futuro da Bienal?

A soma de R$ 30 milhões é o total de recursos repassados para a instituição nesses 13 convênios, relacionados à organização da Bienal, à representação brasileira em Veneza e às itinerâncias, que foram todas realizadas.

O que precisa ser feito é um processo de análise das prestações de contas e de identificação de quais gastos foram feitos adequadamente. Se existem irregularidades, o valor delas é menor que o todo. É um processo em análise.

Sou otimista. Não acho que isso comprometa o futuro da Fundação, que precisa limpar esse passado.

Por que esse questionamento do MinC ocorreu só agora?

Olha, não cabe a nós fazer julgamento sobre a gestão em que ele ocorreu. O que a gente sente é que as instituições estão se modernizando e que o diálogo com o governo passa a ser cada vez mais técnico, profundo e objetivo.

Com um orçamento de R$ 22,4 milhões, o quanto a Bienal depende da Leis de Incentivo?

De forma surpreendente, a 30ª Bienal teve fontes de recursos mais diversificadas que as mostras anteriores, com participação de recursos não incentivados da ordem de 17%, quase R$ 4 milhões. Isso nos abriu um novo caminho. Mas cultura, especialmente as artes plásticas, é objeto de recursos do Estado no mundo todo, sejam eles diretos ou via renúncia fiscal.

Grandes instituições financeiras criaram seus próprios braços culturais. Isso dificulta a captação de recursos?

A gente concorre com o empresário que entende o recurso incentivado como um instrumento de marketing e não com aquilo que ele é: a alocação de recursos para projetos relevantes para a sociedade. Acho que as grande empresas têm institutos culturais imbuídos da missão pública. Eles não são o problema. O problema é o empresário que quer usar o dinheiro para fazer show para cliente, brinde ou alguma atividade que faça parte da estratégia de marketing, como se aquilo fosse seu próprio recurso.

A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, está promovendo um debate nesse sentido?

O governo está empenhado no aprimoramento dos mecanismos de mecenato. Mas os mecanismos de mecenato deveriam funcionar a longo prazo, com programas contínuos. Uma instituição como a Bienal, com 60 anos de tradição, deveria contar com um programa permanente e não fazer a gestão de seu caixa ano a ano, projeto a projeto.

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