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Panfletando para o inimigo

Distribuir santinhos e ajeitar cavaletes nem sempre é garantia de voto no candidato: há muita 'infidelidade' entre os porta-bandeiras

LUCAS NEVES
DE SÃO PAULO

Na barafunda da praça da República, no centro de São Paulo, em meio a homens-placa que compram ouro, tipos agitados a brandir chips de celulares e toda sorte de comércio informal, poucos metros separam Iuri Salvador, 22, de Vanessa Alves, 32.

Ele empunha uma bandeira da candidatura de Fernando Haddad (PT) oito horas por dia. Ela, grávida de quatro meses, é porta-estandarte de Celso Russomanno (PRB) das 12h às 18h.

Em comum, guardam certa "infidelidade" eleitoral: Salvador declara voto no candidato Gabriel Chalita (PMDB), enquanto Alves é partidária do petista.

A "pulada de cerca" é sintomática do desalinhamento ideológico entre os candidatos a prefeito e as pessoas contratadas para trabalhar em suas campanhas de rua panfletando, agitando bandeiras, montando cavaletes ou abordando eleitores no sistema porta a porta.

Os chefes de mobilização de várias candidaturas dizem que suas tropas de rua são majoritariamente formadas por simpatizantes dos nomes e partidos que elas propagandeiam, filiados ou ligados a diretórios das siglas.

Apesar disso, só 7 das 15 pessoas ouvidas pela reportagem nas ruas de São Paulo afirmaram ter a intenção de votar no político que as emprega nesse período.

No grupo que fazia um "bandeiraço" pró-Serra em frente ao parque Villa-Lobos (zona oeste) algumas semanas atrás, pelo menos três pessoas já haviam servido no front de Marta Suplicy (PT) em eleições passadas.

No Jaguaré (oeste), no mesmo dia, um cabo eleitoral de Haddad contava já ter trabalhado (ganhando mais) para Gilberto Kassab (PSD).

As campanhas recrutam boa parte de seus exércitos em igrejas e associações de bairros da periferia.

Muita gente também vai parar na linha de frente da corrida eleitoral por indicação de amigos, vizinhos e parentes. E se junta ao batalhão para completar a renda durante as férias do trabalho "oficial" ou fora do expediente deste (caso de quem trabalha de madrugada com telemarketing, por exemplo).

EQUIPES

Existem infantarias numerosas (1.500 pessoas no lado tucano, de 800 a mil no petista) e exércitos de Brancaleone (Soninha, do PPS, diz contar com a boa vontade de voluntários; Paulinho da Força, do PDT, pega carona nas equipes alistadas pelos 63 candidatos a vereador de sua legenda).

O soldo vai de um salário mínimo (R$ 622) a cerca de R$ 900, podendo incluir ou não auxílio para transporte e alimentação.

Vans de alguns partidos apanham grupos em pontos de encontro, deixam-nos em locais de grande fluxo de carros e pedestres e fazem a rota inversa ao fim do dia.

Há quem consiga se juntar às tropas já em campo de batalha. Luciana Nogueira, 23, viu a fileira de bandeiras de Celso Russomanno ao passar pela República algumas semanas atrás.

Abordou o coordenador do grupo para saber se ainda haveria um estandarte solitário e foi empregada no ato.

Para não dizer que a militância fervorosa foi enterrada pelo pragmatismo, tome-se o caso do músico Carlos Motta, o Ligeirinho, 50.

Ele percorre sabe-se lá quantas vezes por dia uma extensão de cem metros no canteiro central da avenida Domingos de Morais, na Vila Mariana (zona sul de São Paulo), distribuindo panfletos e tomando conta de 20 cavaletes de Haddad.

No fim da jornada, limpa, reforma e grampeia os cartazes danificados. Resguarda o material de sabotagens de rivais com um porrete estrategicamente deixado ao lado de uma árvore, bem no meio da área que monitora -mas afirma nunca ter sido preciso usá-lo.

'ABRACEI A CAUSA'

"Nunca gostei do PT. O Lula me ensinou a votar não em partidos, mas em pessoas", conta Motta.

"Fui ao lançamento da candidatura [de Haddad], participei de passeatas, vi ele falar com eleitores. Não é só o dinheiro. Abracei a causa e a pessoa."

Nas fileiras tucanas, faz frente a ele a cozinheira Lúcia (que preferiu não dizer o sobrenome), 60.

Ela abriu mão temporariamente de um trabalho que lhe rende até R$ 2.000 mensais para divulgar as realizações do Serra gestor por R$ 850. De bate-pronto, elenca cinco.

"Se você é fiel a um candidato, vale a pena", justifica ela, que continua preparando salgados nas horas vagas para completar o orçamento.

"Prefiro os [políticos] mais velhos. Sei o que ele é: humilde, não bebe, não fuma, é da Mooca, sempre está no meio do povo", define a eleitora.

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