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Mensalão - o julgamento

Dirceu deixou sempre claro quem era o homem forte

Da relação com os parlamentares ao cerimonial, sinalizava quem mandava

Chefe da Casa Civil de Lula se dedicou à construção do PT, e se incomodava em ser chamado de 'stalinista'

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA

Quando assumiu o cargo como ministro-chefe da Casa Civil, em janeiro de 2003, José Dirceu de Oliveira e Silva não deixou dúvida sobre quem mandaria dentro do Palácio do Planalto depois do presidente da República. Seria ele mesmo, Dirceu.

O exemplo mais simbólico talvez tenha sido o descumprimento do decreto 70.724, baixado no longínquo ano de 1972 pelo então general-presidente Emílio Garrastazu Médici. O texto era sobre "normas do cerimonial público e a ordem geral de precedência" de autoridades em eventos no Planalto.

Desde a ditadura militar, e mesmo antes, a ordem de entrada de autoridades em eventos públicos na Presidência era determinada "pelo critério histórico de criação do respectivo Ministério", dizia o decreto de Médici. Não estava bom para José Dirceu.

A Casa Civil nascera muito depois de pastas como Justiça, Relações Exteriores e Fazenda. O ministro mais poderoso de Lula queria ser o primeiro a entrar.

Em vez de revogar o decreto da ditadura, José Dirceu baixou uma regra interna. Mandou publicar uma lista com a "Ordem de precedência dos Ministérios". Era só um papel. Informal. Estava até ontem à noite no site da Presidência na internet (http://bit.ly/ordem).

Não ocorreu a quem sucedeu a José Dirceu -Dilma Rousseff, Erenice Guerra, Antonio Palocci e Gleisi Hoffmann- revogar a determinação ou alterar de maneira formal o decreto de Médici.

Esse episódio prosaico ilustra a maneira como Dirceu costumava mandar no PT e no governo federal. Na cúpula da legenda, foi o militante petista que encarnou o papel clássico do "aparatchik", termo russo usado para designar os quadros mais profissionais que se dedicavam à construção do partido.

Nas várias conversas com Dirceu ao longo das últimas décadas, notava seu desconforto por ser sempre retratado como um líder autocrata.

"Vivem me chamando de stalinista. Eu não sou stalinista. O que é ser stalinista? Nunca fui a favor de nenhum regime de força, nunca apoiei o regime cubano."

Para Dirceu, a relação com Cuba seria "estritamente de amizade com Fidel Castro", mas não de aprovação. A frase foi dita durante um almoço em 13 de agosto de 2004, por coincidência, aniversário de 78 anos do ditador Castro.

A condenação de Dirceu ontem no Supremo vai deixá-lo abatido. Mas não é indicador de que desistirá de se manter em evidência no PT.

Nessa mesma conversa de 2004, ele fez uma alusão a cair e se levantar. O tema era a necessidade de diminuir o então grande número de petistas na Esplanada dos Ministérios. Indaguei se aceitariam sem reclamar. "Qual é o problema? Já recomecei minha vida quatro vezes a partir do zero. Qual é o problema em sair do ministério?"

HISTÓRIA

O revés de ontem não é o primeiro da trajetória de Dirceu. Nascido em Passa Quatro (MG) em 16 de março de 1946, ele já foi preso político no final dos anos 60.

Trocado por um embaixador sequestrado, refugiou-se em Cuba. Trocou de nome. Fez operação plástica. Criou outra identidade e voltou de forma clandestina ao Brasil.

No interior do Paraná, casou-se e não revelou sua história para a própria mulher, com quem teve um filho -Zeca Dirceu, hoje deputado federal pelo PT paranaense.

Com imensa capacidade de trabalho, coordenou a profissionalização do PT no final dos anos 90. Na era Lula, sob orientação de Dirceu, a legenda comprou computadores para cerca de 5.000 de suas sedes regionais. Entre as siglas médias e grandes, o PT é a única que a cada eleição sempre elege mais prefeitos em relação ao pleito anterior.

A obsessão de Dirceu pelo controle centralizado e pela organização teve papel fundamental no sucesso do PT na quarta tentativa de Lula ser presidente. O "aparatchik" petista também se incumbiu de aplainar o terreno com aliados improváveis.

Em 28 de maio de 2002, quando Lula já despontava como favorito na eleição, Dirceu desembarcou em Brasília às 17h45 para um de seus muitos encontros reservados. A conversa foi com José Sarney: "Ele está nos ajudando bastante. Está ajudando a fazer contatos para o Lula na Europa e nos EUA."

Uma vez perguntei a Dirceu sobre seus planos político-eleitorais para 2006, antes de o mensalão eclodir. Quis saber se ele, ou outros quadros do PT, teria interesse em governar São Paulo e depois alçar voos mais altos. "Eu, [Antonio] Palocci e [José] Genoino temos um projeto, que é o projeto do Lula. A gente faz o que o Lula quiser. Não vamos entrar em disputa para ser governador de SP."

Em resumo, Lula estava no comando. Dirceu operava para o líder maior do PT. Exercia com rigor o poder recebido do presidente. O seu ato mais explícito nessa direção foi o primeiro documento expedido pelo governo Lula aos ministérios. Assinado por Dirceu, em 6 de janeiro de 2003, o aviso-circular nº 1 dizia.

"Não negociar liberação de emendas sem anuência prévia da Casa Civil" e "informar à Casa Civil [sobre] audiências e atendimento de pleitos de parlamentares."

A palavra que sintetiza o principal prazer de José Dirceu é "mandar". Nos últimos sete anos, ele continuou a influir no PT. Menos, é verdade. Mas nunca virou um pária. Agora, condenado, errará quem apostar que ele sairá de cena docilmente.

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