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Entrevista da 2ª - Armínio Fraga

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

Banco Central tem que explicar cortes recentes de juros

Ex-presidente da instituição na gestão FHC diz que governo precisa deixar claro o que fará para trazer a inflação à meta de 4,5%

ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
EDITORA DE "MERCADO"

As reduções mais recentes da taxa de juros preocupam e "mais um corte neste momento requer uma explicação do Banco Central", diz o ex-presidente do BC (1999-2002) Arminio Fraga, 55.

Em entrevista na última quarta, um dia antes da reunião que baixou a Selic pela décima vez consecutiva -para 7,25%-, Fraga considerou esse movimento arriscado num cenário de inflação persistentemente acima da meta ("que é 4,5%, não é 5,2%").

E desnecessário para a economia em pleno emprego.

Considerado o pai do regime de metas de inflação, o economista assumiu o BC em meio à crise da desvalorização do real e do fim do câmbio fixo, no governo FHC.

Recebido com desconfiança por trabalhar com o megainvestidor George Soros, ganhou depois reputação internacional como "o nerd que salvou o Brasil da falência".

Descrito como "exímio operador", Fraga prefere garantir sua fama nos campos de golfe. Em uma tacada, acertou os dois recentes governos petistas pelo atraso na infraestrutura do país.

A gestão Lula, avalia, rechaçou reformas fernandinas por preconceito ideológico, sem oferecer alternativa.

Já Dilma tem demorado para retomar a eficiência no setor, seja por um viés intervencionista nas concessões, seja pela dificuldade de execução.

À frente da gestora de recursos que fundou ao deixar o governo, a Gávea Investimentos, administra US$ 7 bilhões, com prazos alongados.

Um de seus maiores interesses também é de longo prazo: educação, um "produto" que será colhido não agora, mas daqui a dez anos.

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Folha - O investimento está demorando para se reanimar?

Arminio Fraga - Está. Um fator muito relevante tem a ver com infraestrutura.

Doze, 15 anos atrás, caminhávamos para um regime de agências regulatórias com capital privado e supervisão pública. Esse modelo foi rechaçado pelos governos do PT, sem alternativa viável.

Carências passaram a ser verdadeiras barreiras ao crescimento. Foi uma combinação de eventos de natureza ideológica e prática.

Há muitas dificuldades na execução de projetos.

O esforço do governo foi em excesso para o consumo, em detrimento do investimento?

O consumo era um anseio natural da população. Explorar o crédito ao consumidor é bom, mas tem que vir acompanhado da oferta. Estamos com essa situação esdrúxula de desemprego muito baixo -que é, claro, motivo de festa- e crescimento baixo.

Precisa crescer com produtividade...

Sim, e para ter produtividade tem que investir e educar também. Sem mão de obra qualificada para se engajar na produção com mais capital, não se atinge o potencial.

Lembre que nosso PIB per capita é 20% do americano. Em tese, temos espaço para crescer a taxas relativamente elevadas por muitos anos.

Os investidores estão preocupados com uma tendência intervencionista do governo?

É uma preocupação antiga. Ganhou destaque recentemente com a Petrobras, o setor elétrico e o novo modelo para as ferrovias.

Poderia detalhar as desconfianças?

A Petrobras está exposta desde a pressões ligadas a inflação até política industrial do governo e do próprio modelo de royalties.

No setor elétrico, a presença do governo era imprescindível nas hidrelétricas, mas a revisão das concessões e das tarifas gerou um impacto negativo, não necessariamente pelo resultado final, mas pela falta de discussão.

No setor ferroviário, o risco ficará em grande parte nas mãos do próprio governo. Ou totalmente. E isso é perigoso. É bom colocar o risco no setor privado, é um incentivo para que o capital seja bem alocado, sem desperdício.

No próprio setor financeiro, é muito interessante a postura do governo de colocar os bancos federais na ponta de lança de redução dos spreads [o "lucro" dos bancos, a diferença entre o que eles pagam de juros e o que cobram quando emprestam]. É um experimento que tem que ser acompanhado.

É preocupante?

Não, porque vem misturado com certo pragmatismo e uma cobrança grande de resultados a partir da própria presidente Dilma. Ela terá que ir revisando os procedimentos todos. Não vejo nenhum sinal de que, definidas as regras, elas mudem. Isso, sim, seria grave.

O governo estava oferecendo uma remuneração de capital muito baixa nas concessões?

Esse é um ponto muito, muito importante. Primeiro existe o risco de afastar investidores. Mas existe também um outro risco, de revisões e até perda de qualidade. É um desafio monitorar isso.

Se algum dia o Brasil tiver um governo liberal... hoje não existe nem liberalismo aqui... até um governo liberal vai ter esse problema, porque terá que administrar um Estado de tamanho relevante.

Como o sr. classifica politicamente o governo hoje?

Pouco liberal (risos)... Ou nada liberal... Não, nada liberal é exagero. É um governo de esquerda, que está testando seus limites.

Eu acreditava que o governo Fernando Henrique tinha chegado próximo ao que, na minha leitura, são limites razoáveis: um governo com um papel importante, senão de produção, de regulação e fiscalização, que focou os escassos recursos públicos em educação, saúde e tomou a decisão estratégica de sair da produção em setores que foram privatizados.

Um movimento liberal...

Esse foi o movimento liberal de um governo de esquerda. Não abriu mão de ter um impacto relevante sobre distribuição de renda, pobreza, de regulação adequada e assim por diante.

Era um limite razoável. Hoje estão testando um pouco esse limite, correndo o risco de fazer bobagem.

O governo se desviou do tripé da política econômica [meta de inflação, câmbio livre e superavit fiscal]? Abandonou a meta de inflação?

O tripé em geral sobrevive, mas está um pouco ameaçado, começando pelas metas para a inflação. A inflação vem se beneficiando de medidas e eventos não recorrentes, como a contenção dos preços dos combustíveis e a redução das tarifas de energia. São pequenos remendos.

Com isso tudo, as projeções continuam acima de 5%.

O segundo ponto é a taxa de câmbio. A introdução de uma aparente meta, friso o aparente, traz um elemento de confusão.

Há quem venha argumentando que o papel do Banco Central não é só defender a moeda, mas olhar o crescimento.

Acredito piamente que a melhor coisa que o Banco Central pode fazer pelo crescimento é preservar uma taxa de inflação baixa e estável. E suavizar um pouco as flutuações do PIB. E cuidar da estabilidade financeira.

Cuidar de ser um agente de fomento traz o risco de errar a mão na demanda quando os problemas estão na oferta.

É o caso do Brasil hoje? É cedo para julgar. O BC é acusado de estar se arriscando um pouco nessa área, mas eu não seria muito taxativo.

Acredito, ao contrário de muitos colegas economistas, que, quando for necessário, ele vai aumentar os juros.

Essas últimas reduções estão preocupando. Os economistas que olham para as projeções de inflação questionam muito. Não ficou muito claro o porquê do último corte [em setembro]. Mais um neste momento requer uma certa explicação do Banco Central. Alguma coisa que nos leve a crer que a inflação vai convergir para a meta, que é 4,5%. A meta não é 5,2%. É 4,5%.

Cortar 0,25 agora tem efeito na anemia da economia?

Mas a economia está a pleno emprego. Estamos combatendo o problema errado. O BC faz um trabalho minucioso. Certamente vão explicar. No último corte, as explicações não foram muito claras.

O sr. revisaria alguma decisão que tomou enquanto no BC?

De modo geral, não. Foi um período muito reativo, na chegada teve crise, depois teve a crise da Argentina, da Bolsa americana, a nossa crise de confiança, no final.

Não dá uma vontade de poder ser presidente do BC agora, só para poder determinar taxas de juros de 7%, em vez de 45%, como teve que fazer na primeira reunião do Copom de que participou, em 1999?

No início de 1999 as expectativas de inflação eram de 20% a 50% ao ano e as de crescimento, de menos 4%. Entregamos 9% de inflação e 1% de crescimento. Não tenho queixas; plantamos uma boa semente.

Ser economista era sonho de criança?

Não! Ia ser médico. Até hoje me pergunto como teria sido minha vida. Amo a medicina.

E hoje que áreas o interessam?

Tenho lido bastante sobre educação. É uma área um pouco frustrante para quem busca resultado rápido. Seu "produto", as crianças educadas, leva vários anos para chegar à outra ponta. É preciso saber que os frutos principais serão colhidos não agora, mas daqui a dez anos.

+ TEMAS DA ENTREVISTA

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