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Entrevista da 2ª José Sarney

Eleição de ex-presidente deveria ser proibida

Senador no 3º mandato após a presidência da república, ele agora fala em parar

Sérgio Lima/Folhapress
O presidente do Senado, José Sarney, durante entrevista, em Brasília
O presidente do Senado, José Sarney, durante entrevista, em Brasília
FERNANDO RODRIGUES DE BRASÍLIA

Um dos mais longevos políticos brasileiros, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), defende uma lei para regular o comportamento de ex-presidentes da República. "Uma legislação que não permitisse a nenhum ex-presidente da República que voltasse a qualquer cargo eletivo", sugere.

Sarney, 82, chegou à Câmara como deputado federal pelo Maranhão em 1955. Nunca mais saiu da política. Foi presidente da República de 1985 a 1990. Em seguida, fez o que agora não recomenda aos demais: disputou e venceu, pelo Amapá, três eleições para o Senado. Em 2015, quando termina seu atual mandato, completará 24 anos ininterruptos no Congresso.

Em entrevista, diz agora que não pretende ser mais candidato a nada. Seu rumo à aposentadoria começa no início de 2013, quando deixa a presidência do Senado.

Um pouco melancólico, acha que as "medidas provisórias destruíram o Congresso", mas não vê solução no curto prazo. Defende mudança no sistema de governo para o parlamentarismo.

Sobre sua sucessão no Planalto, em 1989, tem uma avaliação crítica sobre o candidato do PMDB naquele ano: "O equívoco do Ulysses foi achar que rompendo com o governo ele teria o apoio da opinião pública." Rompido com Sarney, Ulysses Guimarães (1916-1992) ficou com 4% dos votos naquela disputa.

Político moderado, posicionado do centro para a direita, Sarney apoiou o governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Enxergou ali uma forma de lustrar sua imagem.

Lula, conta Sarney, foi três vezes à casa dele para pedir apoio. "Para mim, era muito bom. Durante todo esse tempo de político [eu era] tido como conservador. Eu vi essa possibilidade de nós termos um operário no poder."

Ao deixar a presidência do Senado, no início de 2013, Sarney pretende ter menos compromissos partidários. Quer desfrutar mais de sua "paixão" pelo Maranhão. "É uma saudade que não passa."

A seguir a entrevista, realizada em 17 de dezembro.

Folha/UOL - Ao assumir a presidência do Senado o sr. disse que talvez fosse a última eleição que disputaria. É isso?

José Sarney - Política só tem uma porta. Não tem porta de saída. Não poderei deixar de fazer política, de ser político.

Do ponto de vista eleitoral?

Mandatos eletivos não vou ter mais. Também não quero ter atividades partidárias.

Como está a política brasileira, na sua avaliação?

O Brasil tem um gargalo. A sua organização política. Nossas instituições políticas remontam ao século 19. Ainda não conseguimos uma estrutura política como aquelas que dão estabilidade.

Por exemplo?

Essas medidas provisórias destruíram o Congresso. Jogaram nas costas do Executivo e do Legislativo algumas funções que eles não têm. A Constituição de 1988 transferiu ao Executivo a capacidade de legislar. O Congresso não funciona na sua plenitude. O Executivo fica muito dependente dessas medidas.

Todos os presidentes dizem que é muito difícil governar sem medida provisória...

É a grande armadilha. Sem as medidas provisórias é impossível governar. Mas com elas a democracia jamais se aprofundará e as instituições jamais se consolidarão. O Congresso entrou numa crise.

De pouco poder?

De não legislar. Legisla para sancionar aquilo que o Executivo já legislou, porque já está em vigor. É o gargalo.

A solução...

A Constituição de 1988 é híbrida. É ao mesmo tempo parlamentarista e presidencialista. É tão falha que já temos 67 emendas. Os artigos nessas emendas são superiores [em número] aos artigos da Constituição. Temos em tramitação 1.500 emendas constitucionais. E já passaram pelo Congresso nesses anos 3.500 emendas.

Quando e como isso será resolvido?

Como todas as coisas de Estado se resolvem: quando a crise se tornar paroxística. Não é agora. Não vejo, numa visão de médio prazo, nenhuma possibilidade de que isso possa ocorrer. Estou no Congresso há 54 anos. Vejo falar em reforma política todo o tempo. Quando o assunto entra em marcha, não vai. Não avança.

Quando avançará?

Quando mudarmos do regime presidencialista para o parlamentarista. Por quê? Porque nos momentos de crise, cai o governo. E a estrutura continua estável. Não cria crise. Aqui, no regime presidencial, qualquer crise atinge o próprio governo. Para sair disso, é muito difícil.

E como será até chegar o parlamentarismo?

Vamos viver baseados na qualidade do presidente de manter o país estável.

Por que Ulysses Guimarães, candidato pelo PMDB em 1989, não defendeu o senhor?

O Ulysses cometeu um grande equívoco: achar que rompendo com o governo teria apoio da opinião pública. Nenhum governo em qualquer situação deixa de ter, no mínimo, 20% de apoio na opinião pública. O PMDB não podia ter legitimidade popular para atrair os que eram contra o governo. O PMDB tinha sido instituidor do governo. Participava. Com essa fragilidade, Lula foi para o segundo turno com 16%. O Ulysses teve 4%. Se tivesse se integrado às nossas forças, teria no mínimo 20%, 25%. Iria para o segundo turno. Inevitavelmente, seria eleito.

Ulysses ajudou a cristalizar a fragmentação no PMDB?

O PMDB se fragmentou todo quando ele perdeu a perspectiva de poder. Todos sabiam que Ulysses não seria eleito, que essa estratégia tinha falido.

Em 1989, Lula e o PT o criticaram. Agora, são seus aliados. O que se passou?

Acho que, durante a campanha de 1989, ele não me atacou tanto pessoalmente.

E no governo Lula?

Eu nunca saí da minha casa para ir à casa de ninguém e dizer: "Eu vim aqui para lhe apoiar". O Lula foi à minha casa três vezes. Na campanha dele. Buscaram o meu apoio em companhia do José Alencar. A conversa era no sentido de apoiar-lhe. Eu achei que era do meu dever. Para mim, era muito bom. Durante todo esse tempo de político [eu era] tido como um político conservador. Vi essa possibilidade de nós termos um operário no poder.

Como seria institucionalmente correto o Brasil cuidar de seus ex-presidentes?

Acho que deveríamos ter uma legislação que não permitisse a nenhum ex-presidente da República, deixando o governo, que voltasse a qualquer cargo eletivo.

Deveria ser proibido?

Deveria ser proibido. Deveria-se dar ao ex-presidente as condições para ele exercer as funções do ex-presidente.

Quais são elas?

Pode ser um braço não governamental das negociações em que o governo não pode entrar diretamente, para ser um homem apaziguador. Essa é a função do ex-presidente, como ele exerce nos Estados Unidos. Mas tem que ter condições. O Estado deveria dar-lhe uma pensão de sobrevivência, assegurar escritório, viagens, segurança permanente. Porque um ex-presidente deixa no governo inimigos, deixa pessoas no mundo dessa natureza.

Mas por que, então, o sr. como ex-presidente voltou para a vida eleitoral?

Eu não pensava em voltar à política. Mas houve o problema do [Fernando] Collor. Todas as forças políticas que tinham ficado contra mim foram me pedir que eu voltasse. Achavam importante minha presença dentro do Congresso. Aceitei voltar para prestar um serviço ao país naquele momento.

O sr. não aconselharia o seu agora aliado Lula a disputar um cargo em 2014?

São decisões pessoais que cada um tem que tomar.

Ao deixar o Senado, como será a sua rotina?

Assim que eu deixar o Senado, que não tiver compromissos partidários, acho que é muito difícil resistir à paixão de voltar ao Maranhão. É uma saudade que não passa.


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