São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2010

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FOCO

Intelectual e marqueteiro de Dilma afirma que Serra deveria usar FHC

Conceituador da equipe do PT, antropólogo Antonio Risério defende marketing político

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Será possível que numa entrevista sobre marketing político de repente surjam Merleau-Ponty, Maiakóvski, John Cage, Smetak, nouvelle vague e pop art? Perfeitamente possível, se o entrevistado for Antonio Risério.
Antropólogo, historiador, poeta e compositor baiano, amigo de Caetano e de Gil, frequenta também este mundo tão distante das artes e do debate intelectual que é o da propaganda política.
É sua terceira campanha presidencial seguida pelo PT, como conceituador e redator. Ao lado do amigo João Santana, chefe da equipe de comunicação de Dilma Rousseff, traduz a estratégia política para a linguagem direta e ligeira do marketing.
Também traça diretrizes para municiar a candidata em debates e entrevistas. E vigia a propaganda dos tucanos, apresentando sínteses críticas. "Serra é um blefe, como ele mesmo não cansa de demonstrar. Ele não resiste a uma hora de confronto com Dilma", diz, por e-mail.

RECADO DA CAMPANHA
Ele sublinha que não fala em nome da campanha. Mas, dada a mudez de Santana -cuja discrição é parte sagrada de uma persona- e o papel-chave de Risério na equipe, não é demais supor que o antropólogo exprima o pensamento corrente na comunicação dilmista.
"Serra começou se posicionando bem, no início do ano. Como Lula botou a carta plebiscitária na mesa, ele ampliou o arco temporal, visando à diluição dos contrastes. Celebrou um novo Brasil, que viria de Tancredo a Lula, com os avanços se desdobrando uns dos outros."
"Não entendo por que ele arquivou esse discurso, que nos levaria a um belo embate político. Se eu trabalhasse na campanha dele, diria: vamos entrar no horário eleitoral com um puta programa sobre Fernando Henrique, mostrando a conquista da estabilidade. Mas Serra preferiu ser o candidato dos genéricos e das denúncias."
Entre marqueteiros e políticos, Risério é apontado como "o pensador" de uma campanha. Alguém que, na definição de um publicitário veterano em disputas eleitorais, "pode passar uma semana sem escrever, mas na hora certa faz a diferença". A roupa não lhe cai bem.
"É evidente que não sou o único a pensar. Em primeiro lugar, porque João Santana é também um intelectual, com quem você pode conversar sobre coisas tão variadas quanto a "kali yuga" e a música de John Cage."
Rejeita o selo de "conceituador verbal" e acrescenta que, se houver um na campanha, é Santana.
A deferência é reflexo de uma amizade de mais de 40 anos. Risério e Santana estudaram jornalismo juntos, criaram uma Associação dos Amigos de Smetak (homenagem ao músico suíço-baiano), trabalharam na Prefeitura de Salvador, embarcaram com Duda Mendonça no marketing político.
Autor de mais de uma dezena de obras, Risério dedicou a Santana "A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros" (ed. 34/2007), reunião de ensaios sobre mestiçagem e racismo no Brasil.
"A melhor análise político--sociológica brasileira, nos últimos anos, vem dele. Desde a leitura da conjuntura de 2002, quando disse que o embate se daria entre a esperança e o medo. E que a esperança venceria", diz, minimizando o papel de Duda, que fez então o marketing de Lula.
Santana deixou a parceria com Duda um pouco antes da disputa de 2002. Risério ficou -é um dos três remanescentes da primeira eleição de Lula no "núcleo duro" da atual campanha, ao lado da diretora Lô Politi e do diretor de arte Marcelo Kertész-, mas não esconde com qual marqueteiro se afina melhor.
"João tem densidade política, estética e intelectual. A diferença está toda aí. Duda é um brutalista, que pode surpreender pela intuição."
O credo no alcance da propaganda que faz com Santana induz Risério a discordar da ideia de que o marketing despolitiza a política.
"Acho que o marketing contribuiu, e muito, para a politização da sociedade brasileira. Penso com Maiakóvski: publicidade é agitação de massas. Agora, a politização mais densa cabe aos partidos. E eles não parecem muito interessados no assunto."
Mas então por que a propaganda não aprofunda as propostas dos candidatos?
"Não dá para aprofundar uma tese filosófica num filme. Merleau-Ponty não cabe na nouvelle vague. E um filme tem uma duração seis ou nove vezes maior que a de um programa político, em que você dispara mensagens claras e sintéticas", defende.

CORAÇÃO E ALMA
Instado a falar sobre o desafio de "vender" uma candidata sem carisma após duas campanhas escrevendo para um comunicador carismático como Lula, Risério elogia ambos, com um reparo.
"É claro que Dilma não é Lula. Mas ninguém hoje, no Brasil, é Lula. Só não topo quando ele fala em "extirpar" o DEM. Mas entendo. Ele está no embate". Foi essa a frase que fez o amigo Caetano chamar Lula de "golpista".
"No fundo, Caetano está mais próximo de Lula do que admite publicamente. Talvez até do que admita para si mesmo. Sinto que o coração dele, às vezes, bate com algum temor. Mas sei de que lado a alma dele está."

FOLHA.com
Leia íntegra da entrevista
folha.com/po806691


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