São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2010

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PERFIL EROS GRAU


O ministro está nu

Dono de uma estátua dele próprio sem roupa, ministro do Supremo está prestes a deixar a corte e tenta hoje ser eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras; autor de mais de 40 livros, sua primeira ficção, um romance com passagens eróticas , provocou frisson entre os colegas

FELIPE SELIGMAN
MATHEUS LEITÃO
DE BRASÍLIA

Um romance com citações eróticas e uma estátua dele próprio nu, vista por um "surpreso" colega em seu refúgio em Minas e comentada nos corredores do STF. Com um perfil que foge às formalidades da toga, o ministro Eros Roberto Grau, 69, está prestes a deixar a corte.
Depois de assumir a cadeira deixada por Maurício Corrêa em junho de 2004, o gaúcho Eros Grau tenta hoje, às 16h, uma vaga no "templo dos imortais", a Academia Brasileira de Letras.
A Folha apurou que ele tem o apoio de José Sarney, Marco Maciel, Moacyr Scliar, Carlos Nejar e Paulo Coelho. Ainda assim, o favorito à cadeira 29 é o diplomata e ensaísta pernambucano Geraldo de Holanda Cavalcanti.
Não é de hoje que Eros se dedica à literatura. No fim de 2008, cansado com o volume de julgamentos, lançou o 41º livro, o romance "Triângulo no Ponto", sua primeira aventura na ficção, que causou frisson na corte por seu conteúdo erótico.
Todos os outros de sua estante pessoal, começada em 1974 com o "Região Metropolitana: Regime Jurídico", estudo sobre o crescimento das cidades, foram escritos sobre as nuances e interpretação do direito no Brasil, na Itália e na Espanha. Um deles está na 14ª edição.
"Triângulo no Ponto" trata da vida de três personagens durante a ditadura (1964-1985), numa narrativa entremeada por cenas de sexo.
"A imprensa matou o livro. Por me chamar Eros, virou erótico. Se me chamasse Hermes, seria hermético", disse, quando recebeu a Folha em seu gabinete.
"Triângulo no Ponto" está na segunda edição. Apesar de a narrativa política predominar "sem nenhum excesso de linguagem", diz Eros, não passam despercebidas descrições como "válvula de sucção no lugar do sexo" com "sonoras flatulências vaginais pós-coito" sobre ex-namorada de personagem.

VISITA
Pode ser por influência dessas passagens eróticas e nada herméticas que a história da estátua ganhou ressonâncias nos corredores do Supremo Tribunal Federal.
No início de 2009, Eros convidou um grupo de ministros para visitar sua casa em Tiradentes (MG).
Eles foram os únicos a ultrapassar a fronteira entre apenas usar a mesma toga no ambiente de trabalho e frequentar sua casa, sendo, assim, chamados de "amigos".
A existência da estátua foi confirmada por colegas e um funcionário que já estiveram na casa de Eros. Outros quatro ministros do STF relataram que ouviram sobre ela dos que estiveram lá.
Um deles parou a reportagem da Folha nos tais corredores para contar o caso, sussurrando, como se fosse ilegal a posse de uma estátua nua no Brasil.
O próprio Eros ficou desconfortável com o assunto levantado pela Folha. "Vê se eu teria isso em casa? Isso é uma brincadeira dos amigos", disse. No dia seguinte, ligou para a reportagem. "Estou dizendo que não existe."
Uma reportagem publicada em um jornal de Minas, na época, descreve desta forma a casa em que ele recebeu os ministros: "O casarão de estilo colonial ocupa quase um quarteirão e guarda surpresas, como biblioteca climatizada, capela e peças de antiquário e jardim com esculturas eróticas".

AFETUOSO
Eros Grau é considerado afetuoso pelos amigos. Já os que não fazem parte do seu círculo de amizades o acham soturno. Usam até as palavras "rabugento", "bravo" e "pavio curto".
Em família, com a mulher, dois filhos e netos, é expansivo. Sobra carinho até para os sete labradores criados em Tiradentes.
Os cachorros são homenageados nas fotos da estante atrás da mesa no STF, junto com a mulher, a filha, um dos três netos, o alemão Karl Marx (de barba parecida com a de Eros), o romancista e jurista alemão Rudolf Von Ihering e o ex-primeiro-ministro francês Jacques Chirac.
A casa mineira, aliás, é um de seus grandes amores. Comprada em 1973, tem uma biblioteca com 19 mil itens e pequena capela com a capacidade de receber 30 pessoas. Por ser consagrada, conta Eros, pode ser utilizada na realização de missas católicas, sua religião. "Me sinto em paz na igreja", diz.
Apesar de ter feito primeira comunhão e ser crismado, Eros estudou em colégios protestantes por influência da mãe, Dalva, que estudou em colégio semelhante, e do pai, Werner Grau, um funcionário público que idealizou, entre outras coisas, o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados).
Eros também já havia atuado no serviço público brasileiro antes do Supremo.
Foi chefe do departamento jurídico da Comasp, antiga Sabesp, onde conheceu a mulher, a filósofa Tânia Marina, paulista de Campinas, com quem é casado há 39 anos e tem dois filhos.
Dedicou quase 30 anos à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Tornou-se professor titular depois de ser aprovado em concurso, do qual participou sozinho, em 1990.
No ano passado, se aposentou. "Se me perguntarem o [que é] mais importante da minha vida? [Ser] professor da Faculdade de Direito do largo São Francisco."

CURRÍCULO
O currículo de Eros no direito é imponente, tem exatas 219 páginas no site da Suprema Corte.
Além dos livros publicados, é doutor honoris causa das universidades francesas Cergy-Pontoise e Havre e da argentina Siglo 21. Também foi professor visitante da Sorbonne e Montpellier.
Na década de 80, quando era professor-adjunto da USP, Eros conheceu um sindicalista chamado Luiz Inácio Lula da Silva, futuro presidente da República, que o nomearia para o Supremo. Ficaram amigos.
No início do primeiro mandato de Lula, conta Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça, o presidente já tinha em mãos o nome de Eros para indicá-lo a uma vaga no Supremo.
Seria o primeiro dos oito ministros que nomeou: "Quando cheguei, o nome de Eros já estava com Lula. Mas Eros pediu para ser nomeado na segunda leva. Dizia ainda ter coisas a fazer pelo direito fora do Supremo".
Thomaz Bastos, amigo há 30 anos, também ouviu falar das estátuas, mas, afirma, nunca as viu. Também nunca esteve lá.
Com gel no cabelo e barba sempre volumosa, Eros confidencia a amigos como Thomaz Bastos que conta os dias para deixar a corte e Brasília, cidade da qual não aprendeu a gostar.
A barba começou a ser cultivada para esconder uma lembrança dolorosa -a cicatriz no queixo por conta de um forte acidente na rodovia Presidente Dutra. "Meus filhos nunca me viram sem barba", conta.
Eros Grau afirma não ver razão para merecer um perfil -algo que deveria ser feito, se fosse o caso, "só após a morte". "Não existe nada completo. A gente está sempre se completando."


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