São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2011

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MINHA HISTÓRIA
GERUZA ALVES DE ALMEIDA, 52,


'Tenho medo de morrer'

(...) Estava estendendo roupa e, de repente, escutei tiros: pá, pá, pá (...) deixamos tudo, nossas roupas, a roça, as criações de galinha, pato, tudo

Fábio Guibu/Folhapress
Lavradora Geruza Alves, que deixou Nova Ipixuna (PA)

RESUMO
A lavradora Geruza Alves de Almeida, 52, é parente dos líderes extrativistas José Claudio e Maria do Espírito Santo, mortos a tiros há nove dias. Os três viviam em um assentamento em Nova Ipixuna (PA). Após o crime, ela fugiu. Há um ano, sofre ameaças para que entregue a um fazendeiro a terra onde vivia.

(...)Depoimento a

FÁBIO GUIBU
ENVIADO ESPECIAL A MARABÁ (PA)

No assentamento onde eu moro, um fazendeiro que se diz o dono da área quer expulsar três famílias para aumentar as terras dele: a do Zequinha [José Martins], a do Tadeu [Francisco Tadeu Vaz e Silva] e a minha.
Nós somos vizinhos, e desde que cheguei para morar lá com meu marido e minha neta, há um ano, não tivemos paz nem sossego.
Logo de cara, esse fazendeiro disse que iria ficar com a terra e avisou que gostava de comprar confusão. E a primeira apareceu depois de quatro meses: um pistoleiro parou com uma espingarda em frente de casa. Ficou um dia inteiro, vigiando não sei o quê, e depois foi embora.
Dois meses depois, o fazendeiro voltou com cinco homens vestidos de policiais. Quatro usavam uniformes normais, de rua, e um uniforme era camuflado, manchadinho, tipo pele de onça.
Eles procuravam o Zequinha, que não estava por lá. Então, tocaram fogo no barraco dele. Depois, foram atrás do Tadeu e do meu marido. Acharam o Tadeu e deram um prazo de duas horas para ele sair.
Eu estava na casa de outro vizinho, estendendo roupa, e de repente escutei tiros: pá, pá, pá. Corri para o barraco do Tadeu e o pessoal disse que tinham atirado no meu marido, o Marabá [Edvaldo Ribeiro da Silva], mas que ele havia corrido para o mato.
Voltei para casa e logo eles chegaram. Perguntaram pelo Marabá. Disse que não sabia onde ele estava. Eles então ameaçaram tocar fogo em tudo se nós não saíssemos.
Eu comecei a chorar, pedindo pelo amor de Deus para que não fizessem isso. Um deles falou depois que não fariam nada, porque o Marabá era parente do [líder extrativista] Zé Claudio.
Dois pistoleiros ficaram na casa do Tadeu, tomando conta do lugar. Eles passavam dia e noite em frente ao mandiocal. Quando escurecia, acendiam uma fogueira.
O Tadeu, que tinha prometido sair, falou do caso com a Maria [mulher de Zé Claudio] e ela mandou ele voltar.
No dia em que Tadeu receberia R$ 2.000 para entregar a terra, ele disse ao fazendeiro que não queria o dinheiro, porque não ia mais sair.
O povo fez um mutirão para reconstruir a casa do Zequinha, e ele e o Tadeu continuam morando lá. Mas, com a morte do Zé Claudio e da Maria, eu me senti mais pressionada. A nossa família decidiu sair. Deixamos tudo, nossas roupas, a roça, as criações de galinha, tudo.
Eu quero voltar, porque o assentamento é o único lugar que tenho para morar. Nasci em Linhares (ES) e vim para o Pará com 20 anos. Troquei o emprego de cozinheira para viver da terra.
Mas o bandido que matou os dois está solto. Meu medo é que o assassino mate a gente também. Meu barraco é bem fraquinho, feito de tronco de açaí. Qualquer um vai lá e derruba.


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