São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2010

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VLADIMIR SAFATLE

Direitos humanos para todos


Uma das grandes novidades desta eleição é o debate de política externa


UMA DAS GRANDES NOVIDADES desta eleição presidencial é a presença da política externa como pauta do debate entre os candidatos.
Resultado das novas aspirações brasileiras no cenário internacional, ela tem servido também para colocar em circulação exigências de que a diplomacia brasileira seja orientada pelo discurso de defesa dos direitos humanos.
No entanto, é difícil não ter a impressão de que boa parte daqueles que professam tal exigência fazem dela um uso meramente retórico, na tentativa de desqualificar o caráter mais ativo da nossa política externa. Um uso no qual o que impera é a regra de que direitos humanos é algo que devemos cobrar apenas dos inimigos.
Nesse sentido, lembremos que aquilo que realmente anula a moralidade é a assimetria. Direitos humanos são incondicionais e universais. Qualquer violação a eles, portanto, é igualmente inaceitável.
Por exemplo, não deixa de causar estranhamento perceber que os críticos à tentativa brasileira de negociar com o Irã, devido, entre outras coisas, ao desrespeito constante de seu governo aos direitos humanos, nunca tiveram uma palavra contra outras situações claras de violações.
Exemplos não faltam: o vazio jurídico de Guantánamo, o assassinato de jornalistas pelo governo golpista de Honduras, as políticas segregacionistas e xenófobas da Itália ou, ainda, a transformação da Faixa de Gaza em um "campo de prisioneiros", como disse o primeiro-ministro conservador britânico, David Cameron.
Eles também não têm nada a dizer a respeito da política sistemática de execuções extrajudiciais de camponeses por paramilitares e membros do Exército colombiano. Ao contrário: para eles, a política colombiana é quase um exemplo a ser seguido na América Latina, e Álvaro Uribe, uma referencia de governante sério e bem-sucedido.
No entanto, pesam contra seu governo profundas suspeitas de participação orgânica no caso dos "falsos positivos": camponeses assassinados que eram apresentados como membros da guerrilha mortos em combate. Há, pelo menos, 946 casos em julgamento.
Como se não bastasse, eles parecem sofrer de um estranho "astigmatismo analítico", pois não lhes toca o fato de que a Anistia Internacional declarou aberrante a situação brasileira de impunidade e anistia àqueles que perpetraram tortura e outras formas de terrorismo de Estado em nossa ditadura militar.
Ao contrário, tudo o que fazem é dizer que a reconciliação nacional já ocorreu ou requentar a "teoria dos dois demônios" afirmando que os crimes contra a humanidade do governo brasileiro foram um "mal necessário" (palavras de um ministro do STF) contra as ameaças vindas de "guerrilheiros comunistas".
Devemos lembrar tais situações não para deplorar a entrada do discurso do respeito aos direitos humanos no debate eleitoral, mas para exigir que ele entre realmente, ou seja, com toda sua força e incondicionalidade, sem uso meramente retórico.
Seria ótimo exigir do Brasil posição firme contra todas as violações, a começar pelas nossas. Só assim teríamos certeza de que certas pessoas que atualmente exigem respeito aos direitos humanos não seriam as primeiras a negá-los para seus inimigos.


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