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ENTREVISTA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
FHC diz não endossar PSDB que não defenda sua história
Para ex-presidente, "entramos num marquetismo perigoso, que despolitiza. Liderar é transformar em problema o que a população não vê como problema"
MARIA CRISTINA FRIAS
COLUNISTA DA FOLHA
VINICIUS MOTA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
"Não estou mais disposto
a dar endosso a um PSDB que
não defenda a sua história",
disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), ontem, em entrevista no instituto que leva
seu nome, no centro de SP.
Presidente de honra do
PSDB, Fernando Henrique
defende que o partido anuncie dois anos antes das eleições presidenciais seu candidato. "O PSDB não pode ficar
enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D."
O ex-presidente diz que
Lula "desrespeitou a lei
abundantemente" na campanha e que promove "um
complexo sindical-burocrático-industrial, que escolhe
vencedores, o que leva ao protecionismo".
Para FHC, a tradição brasileira de "corporativismo estatizante está voltando". Lula é uma "metamorfose ambulante que faz a mediação
de tudo com tudo".
Folha - José Serra aproveitou
a oportunidade do segundo
turno como deveria?
Fernando Henrique Cardoso - Serra foi fiel ao estilo dele. Tomou as decisões na
campanha, com o [marqueterio Luiz] Gonzalez. Não fez
diferente do que se esperaria
de Serra como um candidato
que define uma linha e vai
em frente. O PSDB, e não o
Serra, tem outros problemas
mais complicados. Precisa
ter uma linguagem que expresse o coletivo. Os candidatos esqueceram a campanha e não definiram o futuro.
O nosso futuro vai ser fornecer produtos primários? Ou
vamos desenvolver inovação, a educação, a industrialização? Isso não foi posto.
O governo Lula patrocina a
formação de grandes empresas, uma espécie de complexo "industrial-burocrático".
Qual a diferença para o seu
governo, que também usou o
BNDES nas privatizações?
Tudo é uma questão de
medida. Os fundos [de pensão] entraram na privatização porque já tinham ações
nas teles e participar do grupo de controle lhes dava vantagem. Mas tive sempre o cuidado da diversificação.
O problema agora é de gigantismo de uns poucos grupos, nesse complexo, que na
verdade é sindical-burocrático-industrial, com forte
orientação de escolher os
vencedores. Isso é arriscado
do ponto de vista político e
leva ao protecionismo.
A fila do PSDB andou? Chegou a vez de Aécio Neves para
presidente?
Eu não posso dizer que
passou a primeiro lugar, mas
que o Aécio se saiu bem nessa campanha, se saiu. Não
posso dizer que passou a primeiro lugar porque o Serra
mostrou persistência e teve
um desempenho razoável.
Não diria que existe um
candidato que diga "Eu naturalmente serei". Mas o PSDB
também não pode ficar enrolando até o final para saber se
é A, B, C ou D. Dentro de dois
anos temos de decidir quem é
e esse "é" e tem de ser de todo
mundo, tem de ser coletivo.
Não estou disposto mais a
dar endosso a um PSDB que
não defenda a sua história.
Tem limites para isso, porque
não dá certo. Tem de defender o que nós fizemos. A privatização das teles foi boa
para o povo, para o Tesouro e
para o país. Do ponto de vista
econômico, as questões estão bem encaminhadas. O
problema não é saber se a
economia vai crescer, é se a
sociedade vai ser melhor.
Houve sinais do que o sr. chama de "espírito" da democracia no processo eleitoral?
Não vejo. O presidente Lula desrespeitou a lei abundantemente. Na cultura política, regredimos. Não digo do
lado da mecânica institucional -a eleição foi limpa. Mas
na cultura política, demos
um passo para trás, no caso
do comportamento [de Lula]
e da aceitação da transgressão, como se fosse banal.
Aqui ocorre outra confusão: pensar que democracia
é simplesmente fazer as condições de vida melhorarem.
Ela é também, mas não se esqueça que ditaduras fazem
isso mais depressa.
Como o sr. vê a volta de temas
como religião na campanha?
Com preocupação. O Estado é laico, e trazer a questão
religiosa para o primeiro plano não ajuda.
A dose dos marqueteiros nas
campanhas está exagerada?
Sim, em todas as campanhas. Nós entramos num
marquetismo perigoso, que
despolitiza. Hoje a campanha faz pesquisas e vê o que a
população quer naquele momento. A população sempre
quer educação, saúde e segurança, e então você organiza
tudo em termos de educação,
saúde e segurança.
Sem perceber que a verdadeira questão é como você
transforma em problema algo que a população não percebeu ainda como problema.
Liderar é isso. Você abre um
caminho. A pesquisa é útil
não para você repetir o que
ela disse, mas para tentar influenciar o comportamento a
partir de seus valores.
O que nós temos na campanha é a reafirmação dos
clichês colhidos nas pesquisas. Onde é que está a liderança política, que é justamente você propor valor novo. O líder muda, não segue.
A polarização nacional entre
PT e PSDB completou 16 anos.
Tem feito mais bem ou mais
mal ao Brasil?
O que o Chile fez na forma
da Concertação [aliança entre Partido Socialista e Democracia Cristã que governou o
país de 1990 a 2010], fizemos
aqui sob a forma de oposição. Há muito mais continuidade que quebra. O pessoal
do PT aderiu grosso modo ao
caminho aberto por nós. Isso
é que deu crescimento ao
Brasil. Agora tem aí o começo
de um rumo que não é mesmo o meu, que é esse mais
burocrático-sindical-industrial. E tem uma diferença na
concepção da democracia.
O que seria essa social-democracia tucana?
Social-democracia, vamos
devagar com o ardor. O sujeito da social-democracia europeia eram a classe trabalhadora e os sindicatos. Aqui
são os pobres. O Lula deixou
de falar em trabalhador para
falar em pobre. Mudou. Nós
descobrimos uma tecnologia
de lidar com a pobreza, mas
estamos por enquanto mitigando a pobreza.
Tem de transformar o pré-sal em neurônio. Esse é o saldo para uma sociedade desenvolvida. Está se perfilando, no PT e adjacências, uma
predominância do olhar do
Estado, como se o Estado fosse a solução das coisas.
Então a diferença entre PT e
PSDB, para o sr., se dá em relação ao papel do Estado.
A nossa tradição é de corporativismo estatizante, e isso está voltando. É uma mistura fina, uma mistura de Getúlio, Geisel e Lula. O Lula é
mais complicado que isso,
porque é isso e o contrário
disso. Como é a metamorfose
ambulante, faz a mediação
de tudo com tudo. Lula sempre faz a mediação para que o
setor privado não seja sufocado completamente. Não
sei como Dilma vai proceder.
Isso tende a se aprofundar
nesse novo governo?
A segunda parte do segundo mandato de Lula foi assim. A crise global deu a desculpa para o Estado gastar
mais. E o pobre do [John Maynard] Keynes pagou o preço.
Tudo é Keynes. Investimento
não cresceu, gasto público se
expandiu, foi Keynes.
Não acho que o Brasil vá
no sentido da Venezuela porque a nossa sociedade é mais
forte. Aqui há empresas, imprensa, universidades, igrejas, uma sociedade civil
maior, mais forte. Isso leva o
governo a ter cautela. Veja o
discurso da Dilma de ontem
[domingo]. Ela beijou a cruz.
Ela tem que dizer isso, que
vai respeitar a democracia,
porque senão não governa.
O que esperar de Dilma?
Não sabemos o que ela
pensa, nem como é que ela
faz. O Brasil deu um cheque
em branco para a Dilma. Vamos ver o que vai acontecer
com a conjuntura econômica. Há um problema complicado na balança de pagamentos, um deficit crescente,
uma taxa de juros elevada e
uma taxa de câmbio cruel.
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