São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2010

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JANIO DE FREITAS

O informante e outros figurantes


O que prometem os papéis dos EUA é motivo para serem levados a sério, a ponto de gerar medidas preventivas


A DESQUALIFICAÇÃO que Lula buscou fazer da revelação de documentos do governo americano, a propósito dos que expõem inconfidências do ministro Nelson Jobim ao embaixador dos EUA, presta-se a duas finalidades. Das quais, a de maior importância não é a que transparece nas palavras de Lula.
Feito com muita rispidez, o comentário de Lula referiu-se à correspondência em que o então embaixador Clifford Sobel comunicou ao seu governo a informação, recebida do ministro da Defesa do Brasil, de que Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral do Itamaraty e atual ministro de Assuntos Estratégicos, "odeia os Estados Unidos".
A frase inicial de Lula anunciou o despropósito que viria: "Por que eu tenho que acreditar num americano, que nem é mais embaixador aqui?" Não tem, acredita se quiser. Mas há motivos relevantes para o assunto ser levado a sério. Lula é o presidente brasileiro e a correspondência oficial diz respeito ao Brasil. Nela figurando o próprio ministro da Defesa como informante, a governo estrangeiro, de um dado inconveniente ao Brasil e a seu governo. De outra parte, a improbabilidade de um embaixador ser inverdadeiro ou impreciso em sua correspondência oficial, dirigida ao Departamento de Estado, recomenda considerá-la a sério, seja para o que for.
Lula tem muitas certezas em torno do assunto, mas feitas todas de suposições: "Tenho certeza do comportamento do Jobim, tenho certeza do comportamento do Samuel, tenho certeza de que os dois são amigos, tenho certeza de que um não falaria mal do outro". Não há quem possa ter tais certezas. Nem mesmo os próprios.
Apesar de farta experiência como testemunha (senão como personagem) de vazamentos com graves consequências, Lula sentencia sobre os documentos vazados do governo americano: "Se fossem importantes não teriam sido vazados". Mas só foram vazados por serem importantes.
A presença de Nelson Jobim como informante do embaixador não se limita a Samuel Guimarães, com inconfidências também sobre governante estrangeiro, caso de Evo Morales. Tanto em apenas meia dúzia de documentos já revelados com envolvimento do Brasil, o que prometem os restantes 1.900 com presença brasileira é motivo para serem levados a sério, mesmo por Lula, a ponto de provocar medidas preventivas. Como buscar a desmoralização das correspondências dos embaixadores americanos, dos documentos vazados em geral e do próprio vazamento.
Eleições presidenciais brasileiras têm deixado lados obscuros muito mais significativos do que os visíveis. A corrida de Collor ao então presidente George Bush pai, sua primeira iniciativa de eleito, foi para agradecimento. De quê? Bill Clinton mandou gente do seu time eleitoral para auxiliar Fernando Henrique a vencer Lula, e não faltaram retribuições -uma delas, a entrega do sistema de vigilância da Amazônia, a pedido de Clinton, à americana Raytheon. A eleição de Lula em 2002 não esteve mais exposta à claridade.
A estratégia da conciliação, traçada por José Dirceu para neutralizar esperáveis investidas contra o governo Lula, se tolerada sua eleição, não visou só ao conservadorismo interno.
Em relação aos Estados Unidos, a presença de George Bush filho na Casa Branca, e já nos desatinos do pós 11 de Setembro, era agravante dos riscos. A embaixadora à época, Donna Hrinak, foi muito receptiva. E os entendimentos caminharam para muito além do presumível. O que explica as recepções sempre simpáticas e as referências de Bush filho a Lula, assim como a complacência com as posições do Brasil na América Latina, com a recusa à Alca, as atenções a Cuba e o período de proximidade com Chávez.
Por trás da conciliação há registros. Depois dos vazamentos há revelações.


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